Postagens populares

terça-feira, 18 de outubro de 2005

Mais

JBOnline:

Outras urucubacas


Deonísio da Silva

Escritor

É verdade que errei em boa companhia ontem no JB, mas errei. Apoiado em Antônio Houaiss, José Pedro Machado e Silveira Bueno, entre outros, escrevi, a propósito da urucubaca invocada pelo presidente Lula, que o vocábulo surgira na gripe espanhola de 1918. Quatro enganos, como se verá. Fazer o quê? ''A ciência é a eliminação progressiva do erro'', disse Engels. E meus antigos professores de latim reiteravam sempre errare humanum est, sed perseverare in erro diabolicum est (errar é humano, mas perseverar no erro é diabólico).

A urucubaca é mais antiga. Surgiu antes de o jingle político existir apenas como louvor, quando a ironia grassava nas campanhas e ia passando de boca em boca. O rádio só surgiria em 1922.

Assim, foi muito cantada no carnaval de 1915, Ó Filomena (gravada em 1914, quatro anos antes da gripe espanhola), de J. Carvalho e J. Praxedes, cujos versos ironizavam a idéia que o presidente tinha de fazer seu sucessor: ''A minha sogra morreu em Caxambu/ Foi pela urucubaca/ Que deu o seu Dudu./Ai Filomena/ Se eu fosse como tu/ Tirava a urucubaca/ Da careca do Dudu''. Dudu era o apelido do presidente Hermes Rodrigues da Fonseca.

Cantada até hoje na melodia de Marcha, soldado, cabeça de papel, foi sucesso no carnaval e fracasso na política. Venceslau Brás, o candidato oficial, venceu as eleições presidenciais. ''Dudu quando casou/Quase que levou a breca/Por causa da urucubaca/Que ele tinha na careca''. Quem levou a breca foram os autores, os eleitores votaram maciçamente contra a canção, dando 90% dos votos ao vitorioso.

Várias vezes deputado e depois presidente da República, Artur Bernardes mandou prender o escritor Djalma Andrade, seu conterrâneo, autor de jingle que dizia às claras o que era entredito em murmúrios, isto é, que o presidente era homossexual. Para tanto, utilizou a ambigüidade polissêmica do verbo comer: ''Quando à cova ele desceu/Inteiramente despido/Disse um verme para outro verme:/Não como, já foi comido''.

Na voz de Chico Alves, o candidato Washington Luís sofreu, mas venceu as eleições de 1926: ''Ele é paulista?/É sim senhor/Falsificado?/É sim senhor./ Cabra farrista? É sim senhor./ Ele é estradeiro?/ É sim senhor''. Estradeiro porque dissera que ''governar é abrir estradas''. Falsificado, porque era carioca de Macaé.

Chico Buarque fez marchinha para apoiar Fernando Henrique Cardoso, contra Franco Montoro, nas eleições para o Senado, em 1978, aproveitando os acordes de Acorda Maria Bonita: ''a gente não quer mais cacique/A gente não quer mais feitor/ A gente agora tá no pique/Fernando Henrique pra senador''.

As farpas de Chico Buarque não surtiram efeito, mas é bom lembrar que um homem como Franco Montoro, íntegro, ético e um de nossos melhores políticos tenha sido chamado ''cacique'' e ''feitor'' por um artista como Chico Buarque! Como lembrou Fernando Morais em artigo publicado na Folha de S. Paulo (disponível em www.observatoriodaimprensa.com.br), ''com a proximidade da derrota de FHC, os montoristas refizeram com fino humor a letra do jingle: A gente não tem mais cacife/ A gente não tem mais mentor/A gente agora foi a pique/Fernando Henrique é só professor''. Houve, porém, a tréplica da realidade e na seqüência FHC foi eleito senador, tornou-se ministro da Fazenda, elegeu-se e foi reeleito presidente da República.

As urucubacas, como Minas, estão onde sempre estiveram. No Brasil, infelizmente! Mas sempre soubemos vencê-las! Falta apenas descobrir como faremos desta vez!

PS. Agradeço a meu querido amigo, o jornalista Jayme Copstein, que me escreveu de Porto Alegre, identificando o erro e enviando a marchinha Ó Filomena.

Seja o primeiro a comentar

POLÍTICA DE PRIVACIDADE

  ©Template Blogger Elegance by Dicas Blogger.

TOPO