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sexta-feira, 6 de junho de 2008

A nossa gloriosa insignificância

João Mellão Neto

O Brasil é um país quase perfeito. Temos um território continental, grande parte dele de terras agricultáveis, estamos isentos de desastres naturais de grande monta (terremotos, furacões, neve), nosso clima, em geral, é ameno e nosso povo, segundo pesquisas, é o mais otimista do mundo. Não há nada, enfim, que justifique a baixa auto-estima dos brasileiros. Talvez seja por isso mesmo. A têmpera do nosso povo nunca foi testada, nem por guerras, nem por privações. Não tivemos ainda a oportunidade de provar ao mundo a nossa tenacidade. Em países de clima frio, não se brinca em serviço. Há que produzir de sol a sol, no verão, sob pena de se passar fome no inverno. Mesmo o nosso sentimento de Pátria - pelo qual outros povos oferecem a vida - é tênue e moderado. Nós nos unimos para torcer pela seleção brasileira e é praticamente só isso. Terminado o jogo, cada um enrola a sua bandeira e adeus ao sentimento de unidade nacional.

Um velho político norte-americano disse certa vez que os aços de melhor têmpera são forjados sob o fogo mais forte. Se é assim, vai ver que o nosso fogo é morno. Ninguém, na verdade, está disposto a oferecer a própria vida no altar da Pátria; ninguém, na verdade, está disposto a abrir mão de nada, quando a Nação corre perigo.

Alexis de Tocqueville, um membro da pequena nobreza da França, viajou à América logo nos primórdios daquela civilização. Dotado de um agudo senso de observação, ele notou nos norte-americanos um sentimento quase paradoxal no que diz respeito a civismo: "Os americanos são o povo mais egoísta e individualista do mundo. Cada um cuida de si e a solidariedade praticamente inexiste. Mas bastou que a comunidade corresse algum perigo, que todos se uniram, e cada um não se furta a cumprir a sua parte, por mais sacrifício que isso implique." Individualismo mais comunitarismo: esse inédito arranjo social norte-americano, segundo Tocqueville, era responsável pela grandeza e pela força da América. "Nós, latinos, nos derramamos em palavras bem-intencionadas, mas, na verdade, não estamos dispostos a ceder em nada", concluiu.

As diferenças ente os povos latinos e os de origem anglo-saxônica não param por aí. Um amigo meu, levado pela profissão a freqüentar com assiduidade os Estados Unidos, observa que não há nada mais diferente, culturalmente, que um norte-americano e um brasileiro. E quem não atentar para isso está fadado a se dar mal na América. O sistema de crenças e convicções dos americanos é substancialmente diferente do nosso, bem como os seus valores. O primeiro contraste já se mostra na atitude de ambos perante a lei. Os americanos acreditam que suas leis têm uma origem transcendental, emanadas que são dos founding fathers - um congresso de iluminados que redigiu a Constituição. No Brasil a lei... Ora, a lei... Ninguém sabe quem escreveu, para que e com qual objetivo.

Na América é comum grandes astros do show business, quando cometem infrações, serem condenados a penas severas, mais do que seriam caso se tratasse de cidadãos comuns. É o contrário do Brasil, onde os ricos e famosos gozam de um sem-número de privilégios legais. Quem explica esse paradoxo é um juiz norte-americano, em entrevista a uma revista: "As celebridades devem pagar mais caro justamente porque são celebridades. Elas servem de exemplo para os cidadãos comuns. Devem ser punidas com rigor para demonstrar que aqui, na Pátria da Liberdade, a lei paira acima de todos."

Outra característica marcante dos americanos é a de que o povo, lá, não mente. Ou, pelo menos, mente muitos menos do que nós, os latinos. Muito brasileiro se dá mal na América porque teima em transplantar os seus hábitos e costumes para lá.

Para se concluir um negócio nos Estados Unidos quase não são necessários papéis e documentos. Isso induz muitos espertalhões brasileiros a tentarem forjar títulos e falsificar atestados. Não raro acabam na cadeia. A cultura vigente nos Estados Unidos é a da "presunção da boa-fé", ou seja, todo mundo é inocente até que se prove a culpa. Mas, uma vez provada esta, a lei não tem a menor clemência.

Enfim, estas são as diferenças básicas entre brasileiros e americanos. São eles os certos ou, então, seremos nós?

No Brasil, herança ibérica, talvez, sempre imperou a cultura do privilégio em detrimento da do mérito. Ninguém respeita sequer as filas de cinema. E autoridade é alguém fardado destinado a ser subornado.

A cultura americana tem, mais ou menos, a idade da brasileira. Nesses poucos séculos, eles lograram fazer da América uma nação. Nós outros a única coisa que soubemos fazer bem foi amaldiçoar os gringos, atribuindo-lhes todas as agruras por que passamos. Eles são os grandes culpados pela nossa pobreza, pela nossa estagnação e pela nossa falta de progresso. Esse fenômeno, aliás, não é típico do Brasil. A América Latina inteira, com raras exceções, tem como esporte favorito falar mal dos americanos. Enquanto desopilamos nosso fígado crucificando a América, o fato é que eles, os gringos, estão cada vez mais ricos e nós, cada vez mais pobres.

Que ninguém se iluda quanto à suposta importância que nós temos para eles. Dia destes, foi perguntado ao candidato democrata a presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, numa entrevista, o que ele achava do Brasil. Silêncio sepulcral. Ele não achava nada. Talvez nem soubesse a localização do País. Foi salvo por um providencial assessor que tratou logo de mudar de assunto. Nada mais normal. Se nós, brasileiros, não sabemos a localização da Zâmbia, por que Obama saberia algo do Brasil? A América Latina só é importante nos discursos de Hugo Chávez.

João Mellão Neto, deputado estadual, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado
E-mail: j.mellao@uol.com.br
Fax: (11) 3845-1794

Estadão

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