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terça-feira, 1 de julho de 2008

O texto de Serra em homenagem a Ruth Cardoso

Pouco antes de sua morte, o presidente John Kennedy, ao participar de uma homenagem ao poeta Robert Frost, disse que uma nação se revela não apenas pelos indivíduos que produz, mas também por aqueles que decide honrar, que decide homenagear.

Eu diria que o Brasil se revelou grande nesta semana pelas tantas coisas boas e justas que foram ditas a respeito da Ruth. O que se viu foi raro entre nós: elogios à discrição, à dignidade, à simplicidade, ao rigor intelectual e ao ativismo solidário, coerente, conseqüente e inovador, dessa amiga que nos deixou.

Ruth nos lembrou a todos que as nossas melhores virtudes ainda existem, nela reunidas de modo exemplar. Ela morreu e, no entanto, vive na sua obra e nos afetos que cultivou. E, por isso, nós a sentimos tão presente.

Vive na sua família: lembro-me que a primeira vez que soube dela foi numa dedicatória de um livro do seu marido, o professor Fernando Henrique Cardoso, no começo dos anos sessenta: “À Ruth, laços fundamentais.” Os laços que eles souberam tão bem manter e ampliar entre todos os filhos e netos...

Eu não seria capaz de dizer aqui nada melhor de tudo o que foi dito. Por isso, prefiro lembrar um dos nossos melhores poetas, Manuel Bandeira. Aquele que se vai, mas vive além da morte, é o tema do poema que ele dedicou a Mário de Andrade quando perdeu o amigo. Permiti-me parafrasear seu texto, nesta que é mais uma das conversas que tenho com Ruth. Digo então à minha amiga:

Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: "Faz tempo que ela não escreve".
Irei até sua casa e ela não estará.
Imaginarei: está no sítio de Ibiúna,
está numa reunião na cidade Tiradentes, ou
no Rio, com seus netos.

Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua.
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Extraído
Blog Reinaldo Azevedo

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