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sábado, 14 de março de 2009

O governo encalacrado

O verão chega ao fim, quase se foi um quarto do ano e o governo continua encalacrado, sem saber como enfrentar uma crise muito maior do que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva queria admitir até há pouco tempo. A notícia da demissão de 43 mil trabalhadores pela indústria paulista em fevereiro - 236 mil em cinco meses - foi apenas mais uma indicação da gravidade do quadro. O nível de emprego caiu 2,1%. No mesmo dia, quinta-feira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou as demissões do setor industrial em janeiro, com redução de 1,3% na mão de obra ocupada. Quem quisesse mais informações negativas sobre o setor teria o suficiente para se fartar: 54% das empresas industriais já demitiram e apenas 13% preveem contratações, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Mas o presidente da República parece ter-se incomodado, mesmo, foi com as 4.200 demissões na Embraer. É muito mais fácil fazer barulho com uma empresa bem conhecida, ex-estatal e obviamente financiada (como tantas outras) pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Fácil e possivelmente lucrativo, em termos eleitorais.

Com essa escala de preocupações, dificilmente o governo poderia ter produzido um plano eficiente para enfrentar a recessão. As ações, desde o fim do ano, foram picadinhas, decididas como respostas a lobbies setoriais. O corte de impostos facilitou as vendas de automóveis. O Banco do Brasil comprou um banco especializado em crédito para o mercado de veículos e o BNDES facilitou a união de dois grandes grupos industriais, como se isso fosse fundamental para sustentar a atividade econômica. Nenhum dos dois negócios foi bem explicado, mas, para o conjunto da economia, os problemas continuam. O mercado externo encolheu, os financiamentos escassearam e os exportadores passam uma fase difícil. O Banco Central tem procurado apoiá-los com a liberação de dólares para empréstimos, mas o Executivo não definiu nenhuma política séria para fortalecer a exportação, ignorando seu efeito multiplicador.

Não há mais como negar a extensão da crise. A economia encolheu no quarto trimestre. Segundo a primeira estimativa do IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu 3,6%. Quando os dados forem revistos, talvez se encontre um número menos feio, mas o dado essencial não será alterado nem serão anuladas, por mágica, as demissões dos últimos meses.

Atropelado pelos fatos, o governo foi forçado a reconhecer uma situação mais grave do que admitia até recentemente. A economia, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, talvez não cresça 4% em 2009. Foi uma notável adesão ao ponto de vista dominante entre as pessoas toleravelmente informadas. Mas e daí? É preciso agir em várias frentes, mas o governo não estava preparado. A crise desmontou rapidamente a previsão orçamentária. A saída mais fácil, mas não a mais prudente, será a redução do superávit primário previsto para o ano - aquele dinheiro posto de lado para o pagamento de juros. Um governo mais habituado à seriedade fiscal teria logo trabalhado para adiar os aumentos salariais programados para este ano - e para os próximos, de fato, porque acréscimos na folha são permanentes. Até sexta-feira não havia, no Executivo, acordo a respeito do assunto. Retirar ou adiar um benefício salarial de 1 milhão de servidores pode custar caro, politicamente. Do outro lado do problema - como criar empregos e ativar a economia - o governo continuava tentando dar uma forma à ideia, também eleitoreira, de construir casas para entregar por preço simbólico a centenas de milhares de famílias pobres. Como é muito mais difícil montar um programa desse tipo do que iniciar uma ação de estímulo à construção civil, a administração federal permanece atolada no planejamento.

Fora dessas ações, nada ou quase nada, além de muito discurso. O presidente Lula não sabe como enfrentar os problemas no Brasil, mas tem muitas ideias de como consertar a economia americana e reordenar a finança internacional. Viajou para os Estados Unidos para dar a receita ao presidente Barack Obama. No dia 2, na Inglaterra, apresentará suas fórmulas na reunião do Grupo dos 20.

A situação do Brasil ficará melhor, é claro, se a economia global se aprumar, mas não tem sentido ficar à espera dessa mudança. A crise global é o maior desafio, mas não desculpa a inoperância do governo brasileiro.

ESTADÃO

domingo, 8 de março de 2009

Respostas à crise: usos do PAC

"Há coisas que nós sabemos que sabemos, há coisas que sabemos que não sabemos, há coisas que não sabemos que sabemos e há coisas que não sabemos que não sabemos." A tirada foi utilizada por um aprendiz de filósofo da era Bush, Donald Rumsfeld, que não conseguiu se manter como ministro da Defesa de seu país. Talvez porque houvesse coisas em demasia que ele não sabia que não sabia, combinadas com outras que ele sabia que sabia, mas não lhe era possível reconhecer de público.

Na grave crise que ora vive a economia mundial - a mais globalmente sincronizada retração econômica desde os anos 30 do século passado - também é possível identificar esses quatro tipos de "coisas", e muitos "Rumsfeld-types" nos mundos das finanças, da economia e da política. Afinal, a dúvida é da natureza humana e o futuro, sempre incerto. E como escreveu Fernando Pessoa, "todas as frases do livro da vida, se lidas até o final, terminam numa interrogação". Em espanhol, dizem com orgulho alguns amigos "castellanos", também começam, com o sinal de interrogação invertido. Lembrança, talvez, de que perguntas devem ser feitas antes, e não depois da ocorrência de eventos desastrosos.

Muitas perguntas sobre as quatro possibilidades "rumsfeldianas" no que diz respeito a riscos não foram feitas de forma clara por mercados financeiros, governos (e suas agências), enquanto o mundo vivia o auge (2003-2007) do mais intenso e amplo ciclo de expansão da história moderna. Agora, em plena crise, as perguntas mais relevantes são menos relacionadas às causas da crise, importantes como sejam, e mais ligadas à natureza e à qualidade das respostas - nacionais, regionais e globais, que governos (e mercados) podem e devem dar à crise com vista à sua superação e à retomada gradual do crescimento.

O restante deste artigo se restringe a um tema especifico: os possíveis usos do PAC (o plural é deliberado) como um dos elementos do conjunto de respostas do Brasil não só para enfrentar a crise atual como para nos reposicionar mais favoravelmente na região e no mundo à medida que a crise global vá sendo enfrentada e eventualmente superada ao longo dos próximos trimestres ou anos.

Escrevo no mês seguinte à apresentação dos "novos números" do PAC, originalmente apresentado dois anos atrás, no início de 2007, como um apanhado de tudo o que já vinha sendo realizado ou planejado não só no orçamento de investimentos do governo federal (vale lembrar, algo em torno de apenas 1% do PIB), nos planos das empresas estatais, bem como nos investimentos privados então planejados para 2007-2010. Este somatório incluía, conforme a apresentação de 2007, nada mais, nada menos que 1.646 "ações de governo a serem monitoradas" de forma centralizada na Casa Civil, das quais 912 seriam "obras" e 734 "estudos e projetos em andamento". Seu valor era estimado em R$ 504 bilhões, a esmagadora maioria investimentos que empresas estatais estavam, em fins de 2006, contando realizar no triênio 2007-2010.

No início de 2008, a apresentação da avaliação do PAC havia aumentado para mais de 2 mil as ações do governo sendo monitoradas no âmbito do PAC (mais de mil obras e outros tantos estudos e projetos em andamento). Agora, início de 2009, o País toma conhecimento de que o governo decidiu adicionar R$ 132 bilhões para o triênio 2007-2010, levando o total de R$ 504 bilhões para R$ 646 bilhões, além de elevar a estimativa de gastos do programa após 2010 de R$ 189 bilhões para R$ 502 bilhões, apresentando o PAC como um programa de R$ 1,148 trilhão em seu conjunto, para 2007-2013. Para muitos, puro keynesianismo contracíclico.

Mas é difícil evitar a percepção de que o PAC vai aumentando em número de obras, projetos e estudos em andamento e, especialmente, no seu valor total estimado para os sete anos que vão de 2007 a 2013 (!), porque, pelos critérios adotados pelo governo, são considerados novos investimentos todas as obras que, mesmo já previstas ou conhecidas ou planejadas e executadas por Estados, ainda não haviam sido incorporadas ao PAC. Como escrevi neste espaço há cerca de um ano, "o PAC é tudo, no PAC tudo cabe". Poderia adicionar: "É como um generoso, compreensivo e abrangente coração de mãe." Conforme bem ilustra texto recente da portaria de órgão da Presidência da República que define o PAC como "um instrumento de universalização dos benefícios econômicos e sociais para todas as regiões do Brasil".

Ora, é sabido que quando tudo é prioritário nada é prioritário. Desde pelo menos os anos 1950 (primórdios do BNDES e da Petrobrás, governo JK) se sabe da importância da seletividade e do critério na escolha dos projetos. E mais importante: capacidade de execução, eficiência no gerenciamento e cobrança de resultados. O papel do investimento público pode ser fundamental para romper certos pontos de estrangulamento em infraestrutura, para sinalizar novas oportunidades de investimento ao setor privado, para sugerir áreas em que ambos, público e privado, podem atuar conjunta ou complementarmente. Os programas Brasil em Ação/Avança Brasil, do governo FHC, definiram, após cuidadosos estudos, entre 40 e 50 projetos prioritários. O modelo de gerenciamento dos projetos, conduzidos pela equipe chefiada com competência e profissionalismo por José Paulo Silveira, com sua longa experiência na Petrobrás, é hoje utilizado com sucesso por vários Estados brasileiros que também definiram relativamente poucos projetos prioritários, compatíveis com a capacidade de execução do Estado e suas empresas.

A contribuição do PAC para o Brasil depende, a meu ver, não de seu uso como instrumento de retórica política associada à campanha eleitoral que se avizinha, mas de maior seletividade, efetiva gestão e resultados operacionais concretos sobre os níveis e a eficácia do investimento público e privado - um dos maiores desafios de médio prazo a enfrentar na área econômica.

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC
E-mail: malan@estadao.com.br
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