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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A crise do etanol

Alguns meses atrás, as atividades vinculadas à cana-de-açúcar eram tidas como as mais atraentes da economia nacional. Hoje, atravessam grave crise, especialmente as unidades que se dedicam à produção de álcool. Alguns projetos em fase de implantação foram suspensos, muitas empresas estão inadimplentes e poderão pedir concordata e a cana-de-açúcar plantada em grandes áreas pode não ser colhida.

O setor sucroalcooleiro não foi vítima direta da crise financeira internacional. Dela não sofreu mais que efeitos marginais. Essa crise tem origem no excessivo otimismo com que os produtores de etanol encararam suas possibilidades de exportação, incentivados pelo presidente Lula, certo de que convenceria os países ricos a importar um combustível que reduz a poluição e permite substituir em parte o petróleo - cujo preço, no início de 2008 apresentava uma curva de alta que parecia projetar-se por vários anos à frente.

Tanto a campanha pró etanol brasileiro não teve o êxito almejado quanto o preço do petróleo entrou em declínio.

O malogro deveu-se essencialmente à incapacidade do governo brasileiro de convencer os governos estrangeiros de que a produção da cana-de-açúcar não ocupava área suscetível de reduzir a oferta de alimentos, num momento em que, em razão da queda da produção alimentícia, o mundo se deparava com escassez de gêneros. Para a opinião pública externa, a área ocupada pela cana no Brasil poderia ter sido usada para aumentar a oferta de outros produtos. Além disso, era difícil que alguns movimentos de ecologistas esquecessem das disputas, no País, em torno dos malefícios da monocultura em certas regiões. O Brasil deveria ter-se preparado também para as críticas no exterior de que o corte da cana é obra de trabalho escravo, enquanto, na verdade, parte importante da colheita é feita por máquinas.

Teria sido necessário que, antes mesmo de querer exportar grande quantidade de etanol, o Brasil fizesse investimentos no exterior para promover os motores flex ou para exportar automóveis desse tipo e assim comprovar as vantagens desse combustível.

Os investidores certamente foram seduzidos pelos resultados potenciais. O preço médio do etanol em 2006 era de US$ 469,69 por m³, mas caiu para US$ 418,58 em 2007. Essa variação deveria ter sido observada pelos produtores que, no entanto, preferiram olhar os dados das exportações em 2008, que alcançaram US$ 2,227 bilhões nos 11 primeiros meses do ano ante apenas US$ 1,380 bilhão no mesmo período de 2007. O que não previram foi a rapidez da queda dos preços do petróleo, fator decisivo, pois o etanol só pode ser competitivo se o petróleo custar mais do que US$ 35 o barril, e que os usuários desse combustível precisam de uma faixa de segurança maior. Por outro lado, é preciso levar em conta também a evolução das exportações de açúcar, cuja produção é ligada à de álcool e que estão sofrendo também queda de preços.

A crise do setor pode ter efeitos sociais graves além do desperdício de investimentos que, em muitos casos, foram financiados com recursos externos e que, com a desvalorização do real, podem ter dificuldades de reembolso.

O problema maior, no entanto, será de caráter social. Os cortadores de cana-de-açúcar já sofrem atrasos no pagamento de salários e enfrentam a perspectiva de falta de trabalho na safra 2008/09, uma vez que os grupos produtores poderão, segundo o ex-ministro da agricultura Roberto Rodrigues, passar dos 200 atuais para 50 nos próximos cinco anos.

O governo não conseguiu, como esperava, transformar o etanol em commodity cotada no mercado internacional, como o petróleo. No entanto, não pode permanecer apenas como simples espectador da crise atual.

Se realmente acredita que o etanol tem futuro no mercado internacional, e que o preço do petróleo voltará a subir, sem, porém, alcançar o nível absurdo do início de 2008, deve constituir estoques de etanol e melhorar o marketing do produto. A compra de uma refinaria no Japão representa um passo positivo nessa direção.

ESTADÃO

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Deus mudou de idéia

Em 1º de julho de 1961, alguns engenheiros da Petrobras encaminharam à diretoria da empresa um documento sigiloso que dizia:

"Tomando conhecimento de uma chocante observação feita pelo Sr. Robert M. Sanford, em data de hoje, vimos pela presente lamentar profundamente o acontecido, uma vez que, pelo que entendemos, o acima citado cidadão estrangeiro atingiu gravemente e gratuitamente a Nação Brasileira, quando sugeriu, a um subalterno desprevenido, a eleição de um macaco para próximo Presidente da República".

Robert M. Sanford era supervisor de Sub-Superfície da Petrobras. Ele fazia parte da equipe de geólogos de Walter Link, o americano contratado para descobrir petróleo no Brasil. Depois de anos de buscas frustradas, Walter Link concluíra que era inútil continuar procurando petróleo nas bacias terrestres brasileiras, e que era melhor procurá-lo no mar. A politicalha jingoísta, entoando "O Petróleo é Nosso", acusou-o de ser um agente estrangeiro e afastou-o da Petrobras.

Fast Forward. Data: 2 de setembro de 2008. Contrariando o apelo de Robert M. Sanford, desprezamos a possibilidade de eleger um macaco. Em vez disso, o presidente da República é Lula. Ele está numa plataforma da Petrobras, no campo de Jubarte, no litoral do Espírito Santo. A tese de Walter Link e de seu supervisor de Sub-Superfície acabou se confirmando: nosso petróleo está localizado no mar. No caso, no pré-sal. O jingoísmo petrolífero, seis décadas depois de ser empunhado pelo caudilhismo getulista, ainda rende votos. Lula esfrega óleo no macacão – mais um macaco nessa história – e, em meio à promessa de usar o dinheiro do pré-sal no combate à pobreza, declara orgulhoso: "Eu tenho tanta sorte que acho que Deus passou por aqui e resolveu ficar. Porque a sorte aumenta a cada dia".

Deus, cinco dias mais tarde, mudou repentinamente de idéia. Fannie Mae e Freddie Mac, as duas paraestatais imobiliárias dos Estados Unidos, foram para o beleléu, dando a largada ao processo de derretimento da economia mundial. O pré-sal, de uma hora para a outra, transformou-se no engodo do ano. Em maio, José Gabrielli, presidente da Petrobras, garantira que, nos cinco anos seguintes, o barril do petróleo custaria entre 80 e 120 dólares, acrescentando: "É uma realidade definitiva". O barril de petróleo já está em 45 dólares, e continuando a cair. No mesmo período, Lula declarou que o Brasil ingressaria na Opep, e que o presidente poderia usar "aquele pano na cabeça, como se fosse um xeique". A Opep acaba de cortar 8% de sua produção, porque há petróleo em demasia no mundo. Em setembro, Dilma Rousseff comparou o Brasil ao Sítio do Picapau Amarelo, onde jorrou petróleo atrás do galinheiro. Ela está certa. O pré-sal é igual ao poço Caraminguá nº 1, que Monteiro Lobato definiu como "o primeiro poço de petróleo de mentira aberto no Brasil".

Diogo Mainardi
VEJA

domingo, 14 de dezembro de 2008

AI-5: 40 anos de um atentado à liberdade

Em 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, o governo baixava o ato institucional nº5. Ouça a íntegra da reunião que escancarou a ditadura e devastou a vida política e cultural do País

Especiais - Estadão

domingo, 7 de dezembro de 2008

Cof, cof, cof...

Benjamin Steinbruch, dono da CSN, publicou na Folha de S.Paulo um artigo intitulado "Expectadores da recessão". Assim mesmo: "expectadores" com "xis". Tenho expectorado continuamente desde setembro, quando meu menorzinho me passou uma tosse. Posso não entender nada de recessão, mas me considero um especialista em matéria de expectoração. Por isso, o artigo de Benjamin Steinbruch me fez refletir profundamente. Dá para expectorar uma recessão? Interpretei da seguinte maneira: cada pneumococo é um keynesiano em potencial, com seus estratagemas para contaminar os organismos do estado e sufocar as vias respiratórias da economia. É isso?

Se entendi direito, Benjamin Steinbruch pertence ao partido dos pneumococos keynesianos. Cito um trecho de seu artigo: "Até a semana passada, pacotes para estimular investimentos e consumo num total de 3 trilhões de dólares já haviam sido anunciados por diferentes governos. No Brasil, o caminho é o mesmo. Uma vez que não temos por aqui nenhum problema de solidez no sistema financeiro, a tarefa é direcionar recursos a empreendedores públicos ou privados que efetivamente tenham coragem e competência para gastá-los de forma produtiva". Cof, cof, cof. Considerando todos os recursos que, nos últimos anos, o BNDES direcionou à CSN, como os 900 milhões de reais para a Nova Transnordestina ou os 300 milhões de reais para o Porto de Sepetiba, Benjamin Steinbruch só pode ser um desses corajosos e competentes empreendedores privados que, segundo ele próprio, teriam de ser contemplados com ainda mais dinheiro público. Pergunte ao senador petista Aloizio Mercadante o que ele pensa sobre o assunto. Aposto que ele concorda.

Achei que os keynesianos fossem mais obsoletos do que as escarradeiras dos tuberculosos, para continuar com a analogia pulmonar. Mas me enganei. Eles voltaram. E em sua forma mais agressiva: a dos keynesianos em causa própria, como o presidente da GM, nos Estados Unidos, ou o presidente da CSN, no Brasil. Benjamin Steinbruch, o Hans Castorp da siderurgia nacional, internado em seu sanatório de verbas do BNDES – sim, Thomas Mann, A Montanha Mágica –, conclui seu artigo recomendando que os recursos públicos "sejam realmente gastos e não fiquem debaixo dos colchões de apavorados expectadores da recessão". Como eu sou apenas um espectador comum – um espectador com "esse" –, aconselho o governo a fazer o contrário: é melhor ficar sentado na platéia, de mãos dadas com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e assistir aos desdobramentos do espetáculo, deixando o dinheiro prudentemente debaixo do colchão. E se um keynesiano em causa própria expectorar em sua orelha, na poltrona de trás, afaste-o imediatamente: ele é contagioso.

VEJA
Diogo Mainardi

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Sonho regressivo

Era 30 de novembro de 1964. O general Castelo Branco, primeiro presidente militar do País, promulgava o Estatuto da Terra, defendendo a reforma agrária. Até hoje permanece a dúvida: por que o regime autoritário adotou a proposta que mais combatia?

A análise histórica predominante argumenta que os militares roubaram a principal bandeira da esquerda brasileira visando a iludir e desmobilizar os movimentos sociais da época. Assim, o Estatuto da Terra representa, na verdade, um subterfúgio político. Uma esperta enganação.

Dezenas de estudos, teses acadêmicas e livros acabaram publicados referendando tal idéia. Os mais conceituados intelectuais a ela aderiram. Todos acreditando que a lei da reforma agrária vinda dos militares só poderia ser um embuste. Virou um paradigma.

Não fazia lógica pensar o contrário. Desde Francisco Julião e suas Ligas Camponesas, famosas no Nordeste entre as décadas de 1950 e 1960, a reforma agrária ecoava ruidoso brado contra o poder oligárquico. Com a assunção de João Goulart à Presidência da República, em setembro de 1961, os comunistas, que lideravam as demais organizações de esquerda, avançaram. A ordem era tomar os latifúndios e distribuí-los aos trabalhadores rurais. Tempos ruidosos.

O diagnóstico soava comum na América Latina. As desigualdades da estrutura agrária causavam a baixa produtividade agrícola e levavam à pobreza do homem do campo. Um entrave ao desenvolvimento. A teoria econômica se juntou com a política e, no calor dos acontecimentos, em março de 1963 Jango encaminhou ao Congresso Nacional o projeto governamental de reforma agrária. O assunto esquentou.

As desapropriações de terras, segundo o plano oficial, seriam permitidas obedecendo a nove condições. A reforma atingia de tudo. Incluía as fazendas improdutivas, as exploradas em arrendamento ou parceria e, inclusive, as que, "embora utilizadas", fossem "indispensáveis ao abastecimento dos centros de consumo". Haja ousadia.

A reação dos conservadores, apavorados com a perspectiva de verem expropriadas suas posses, chegou forte. Em 7 de outubro de 1963, o projeto esquerdista de Jango foi derrotado no plenário da Câmara dos Deputados. Mas nem o presidente nem os agraristas se conformaram. E decidiram partir para o revide, nas ruas. Grandes comícios se organizaram, discursos acalorados pregavam as reformas de base, a começar da reforma agrária. Na lei ou na marra.

Deu no que deu. Recuperar esse clima político é importante para entender a perplexidade daqueles que, engajados na luta da reforma agrária, viram, meses após o golpe, Castelo Branco assinar a lei fundiária. Sentiram-se como alguém ardilosamente surrupiado de seu enredo. Qual era, afinal, o intuito do regime militar?

Carmem de Salis, jovem e atrevida historiadora, lança agora novas luzes sobre essa intrigante questão. Sua excelente tese de doutoramento, apresentada recentemente à Unesp-Assis, rompe com a teoria dominante na esquerda, comprovando, com sólida análise, que o governo militar não jogava para a torcida. Os formuladores do Estatuto da Terra defendiam a reforma agrária com convicção.

A diferença entre a proposta de João Goulart e a de Castelo Branco residia, fundamentalmente, na ideologia. Ambos visavam a desapropriação dos latifúndios. Mas na perspectiva da esquerda a reforma agrária deveria desaguar no socialismo. Para os castelistas, ao contrário, o objetivo era encorajar o capitalismo. Como?

Fortalecendo a propriedade privada da terra. Acabar com os "parasitas" da estrutura fundiária, os velhos coronéis, permitiria criar uma progressista "classe média" no campo, com óbvia tendência conservadora. Nada melhor para evitar o perigo comunista de então.

Os acontecimentos posteriores impediram que o reformismo liderado por Castelo Branco prevalecesse. Seu falecimento, em julho de 1967, abriu as portas para a "linha dura" do regime militar. Primeiro, assumiu Costa e Silva, ministro da Guerra; depois, em 1969, chegou Médici. Época dos brucutus torturadores. Com eles a política fundiária mudou completamente, priorizando a colonização das terras devolutas na Amazônia.

A ousadia da pesquisadora da Unesp abre brecha para uma reflexão. Fazer reforma agrária não significa, automaticamente, mudar o sistema econômico. Tampouco distribuição de terras se confunde com socialismo. Basta analisar a história.

O capitalismo europeu só vingou quando, na Revolução Francesa, os camponeses tomaram as terras dos nobres. Quem ganhou foi a nascente burguesia urbana. No Japão, após a 2ª Guerra, a reforma agrária promovida pelos EUA criou as bases de formidável economia. Propriedade privada.

Na Rússia verificou-se diferente rumo. A política revolucionária, executada na ponta da baioneta pelos comandados de Lenin, depois Stalin, levou à forçada coletivização da agricultura. Em Cuba, igualmente, a terra acabou nacionalizada por Fidel Castro. Propriedade coletiva.

Inexiste conclusão fácil nessa matéria. Tudo indica, porém, que a evolução da história superou o drama agrário, trazendo novos dilemas ao campo, como a problema ecológico. Há, decerto, os que ainda tentam fazer revolução no campo. Mas estes se assemelham a um perverso dom Quixote: criam uma fantasia, manipulam a pobreza e inventam moinhos de vento.

Com o fim do socialismo, a luta pela igualdade social tem transformado a reforma agrária numa espécie de sonho regressivo. A sociedade global, consumista, competitiva, parece exigir, no íntimo das pessoas, aquela busca de quietude que apenas se encontra no campo, a busca da paz que brota da terra. Uma utopia.

Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br Site: www.xicograziano.com.br

Estadão

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Casuísmo sacramentado

Com um empenho poucas vezes visto nos seus procedimentos habituais, o governo Lula vem cumprindo rigorosamente, etapa após etapa, a decisão - de origens nebulosas - de promover, para todos os efeitos práticos, a cartelização do núcleo do sistema de comunicações do País. No fim da semana passada, o presidente assinou o decreto que institui o novo Plano Geral de Outorgas (PGO) no setor de telefonia fixa. A norma original proibia que uma concessionária adquirisse outra para operar numa área geográfica diversa daquela onde estivesse autorizada a funcionar. A mudança é um dos maiores casuísmos de que se tem notícia, mesmo para os padrões dos poderes públicos nacionais. Foi feita para permitir a fusão entre a Brasil Telecom (BrT) e a Oi (ex-Telemar), com a compra da primeira pela segunda, um negócio da ordem de R$ 12 bilhões, com a participação do BNDES e do Banco do Brasil. A nova empresa só não atuará em São Paulo, Triângulo Mineiro e na região de Londrina, no Paraná.

O negócio havia sido anunciado há sete meses, com o apoio declarado do governo, como um fato líquido e certo. Antes ainda da sua apresentação, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, falava nele com suspeita naturalidade. Os envolvidos, com acesso privilegiado ao Executivo, tinham motivos de sobra, portanto, para saber que as regras do jogo se amoldariam aos seus interesses. E isso efetivamente se deu por meio de descarada interferência do Planalto na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o órgão regulador do setor, que sai dessa deplorável história desacreditado e com a autonomia reduzida a frangalhos. Em outubro, para surpresa de ninguém, a Anatel alterou o plano de outorgas - o que o decreto presidencial sacramentou dias atrás. No afã de exercer o seu papel espúrio de corretor de negócios entre agentes privados, o governo nem sequer teve a preocupação de salvar as aparências. Dois membros da agência foram substituídos para que a decisão desejada não corresse quaisquer riscos. Nomeou-se até uma diretora sem sombra de familiaridade com o setor, mas sintonizada com o espírito da coisa.

Ainda não acabou. A anuência prévia da Anatel para o negócio da fusão entre BrT e Oi precisa sair até o dia 21 de dezembro, do contrário a Oi terá de pagar à BrT uma multa de R$ 490 milhões. Não há hipótese de que isso venha a ocorrer. O ministro Hélio Costa já assegurou que a Anatel concluirá a análise da operação, ou seja, a aprovará, em tempo hábil - negando, embora, que o órgão estará sob pressão do governo para tanto. "Estamos seguindo o cronograma do governo", afirma. Trata-se, obviamente, de um caso excepcional, seja qual for o sentido que se queira dar ao termo. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), a aprovação do negócio no prazo conveniente quebrará um recorde: nunca antes a Anatel terá feito tanto em tão pouco tempo. A marca anterior, na modalidade, foi de 63 dias. "Houve casos em que a demora chegou a 3 mil dias", compara o presidente da TelComp, Luis Cuza.

Mesmo um pedido corriqueiro de mudança de razão social de uma operadora, diz ele, pode levar centenas de dias. "E, no caso, estamos falando de uma mudança que exigiu um novo marco regulatório." Parece convincente o seu argumento de que o governo ainda não mostrou, com dados objetivos, que a concentração de mercado resultante da fusão será benéfica para o consumidor. "Até agora, o único benefício demonstrado é o dos grupos que controlam as empresas", critica. (Depois de passar pela Anatel, a operação precisará ser homologada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Cade.) O governo, de seu lado, tentando refutar as objeções da entidade das empresas competitivas, insiste em que tudo caminha para ficar no melhor dos mundos possíveis. "O PGO é o primeiro passo para modernizar o setor de telecomunicações", proclama o ministro Hélio Costa.

Ele faz alarde de que o decreto do presidente Lula acrescenta ao texto do plano de outorgas aprovado pela Anatel um dispositivo determinando que qualquer fusão deverá observar "o princípio de maior benefício do usuário e do interesse social e econômico do País". Maior benefício do usuário todo mundo sabe o que é. Difícil é saber como assegurar no texto do plano de outorgas que a fusão produzirá esse resultado.

Estadão

sábado, 29 de novembro de 2008

Inundações em Santa Catarina

Santa Catarina, em especial as cidades localizadas no Vale do Itajaí, é periodicamente castigada por inundações. Mas as que ela sofre nestes dias são incomparavelmente mais avassaladoras do que qualquer outra, como mostram as trágicas conseqüências registradas até agora das fortes chuvas que caíram naquele Estado. Os números, que crescem a cada dia, dão uma idéia da dimensão da tragédia: uma centena de mortos, dezenas de desaparecidos, cerca de 80 mil desabrigados e seis cidades isoladas total ou parcialmente. Por causa da queda de barreiras, mais de 90 mil pessoas estiveram impedidas de deixar suas casas para procurar abrigo em lugar seguro.

De uma população de 5,9 milhões, 1,5 milhão de catarinenses foram afetados direta ou indiretamente pelas enchentes. Os prejuízos à economia do Vale do Itajaí são calculados em R$ 300 milhões. As empresas exportadoras do Estado já estão sofrendo com os danos causados ao Porto de Itajaí. Segundo a Federação das Indústrias de Santa Catarina, cada dia parado provoca prejuízo de US$ 33,5 milhões. As perdas do setor de turismo são estimadas em R$ 120 milhões só em uma semana.

Por trás desses números estão os pungentes dramas pessoais dos habitantes dos sete municípios onde foi declarado estado de calamidade. Perderam-se não apenas vidas, às vezes famílias inteiras, mas também tudo que se haviam acumulado de bens e propriedades durante a vida inteira até o advento da tragédia. E a região vive em toda a sua intensidade as conseqüências desse tipo de calamidade - falta de água, de alimentos, de abrigo e o risco de doenças pelo contato com a lama e a água suja. As redes de esgoto foram afetadas e toneladas de lixo estão espalhadas por toda parte. Atingidos pelas inundações, muitos hospitais perderam medicamentos e funcionam precariamente. Os saques se multiplicam e, por isso, muitos moradores preferem não abandonar suas residências, apesar das condições precárias de segurança, para não perder o pouco que lhes restou.

A situação só não é pior por causa da solidariedade e da disciplina da grande maioria da população e da ação eficiente da Defesa Civil e das Forças Armadas.O anúncio da edição de uma Medida Provisória pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, liberando R$ 1 bilhão para a recuperação da região afetada e mais R$ 600 milhões para outros Estados também afetados pelas chuvas, embora em menor grau (Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo), deu novo ânimo aos governos e à população. O governador catarinense, Luiz Henrique da Silveira, calcula que só para as obras de recuperação da malha viária estadual e da infra-estrutura da região mais diretamente afetada serão necessários investimentos de R$ 250 milhões. Outros R$ 350 milhões deverão ir para obras nos portos.

Há fortes indicações de que o pior já passou. É hora, portanto, de começar a reconstrução. E, para que ela seja bem feita, é fundamental aprender com os erros. As chuvas caídas nos últimos dias em Santa Catarina ficaram muito acima da média. Esse é um dado incontrolável. Outros dados da realidade, dos quais não se pode fugir, é que a topografia da região mais afetada não ajuda, o que explica a repetição das inundações no Vale do Itajaí. Tragédias semelhantes à que estamos assistindo, embora de proporções menores, ali já ocorreram em 1983 e 1984, para citar apenas os episódios mais graves.

Mas a topografia ingrata e a fatalidade das calamidades naturais não eximem os administradores públicos - pelo contrário - da obrigação de tentar minimizar as suas conseqüências. É o que fazem os governos de países onde os desastres naturais são freqüentes, com a imposição de regras especiais de segurança para as construções e para as comunicações. O número de mortos e desabrigados, assim como o de casas e outros edifícios destruídos por deslizamentos em Santa Catarina, seria com certeza menor, se providências tivessem sido tomadas pelas autoridades para evitar construções em áreas de risco, sejam encostas ou proximidade de rios e córregos. E esta deve ser uma regra geral, aplicada a todas as cidades do País.

Estadão

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Colômbia tem mais de 2.800 pessoas em poder de seqüestradores

da Efe, em Bogotá

Ao menos 2.800 pessoas que foram seqüestradas entre 1996 e 2007 ainda permanecem cativas na Colômbia, de acordo com a fundação privada País Libre, que pediu aos cidadãos do país para participarem de uma manifestação na sexta-feira para exigir a libertação dos reféns.

A entidade, que citou dados oficiais, afirmou que o maior número de reféns, mais de 700, está em poder da guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

"Marchemos todos neste 28 de novembro. Natal é tempo de paz, união pela vida e pela liberdade", assinalou a fundação em comunicado.

"Que todos os colombianos e colombianas, de qualquer ponto da geografia nacional e do mundo, saiam às ruas para exigir às Farc, ao ELN (Exército de Libertação Nacional), aos grupos paramilitares e demais atores armados, a libertação dos seqüestrados e conhecer a verdade sobre os desaparecidos no país", manifestou a instituição.

O protesto foi proposto pela ex-candidata presidencial colombiana Ingrid Betancourt, seqüestrada pelas Farc em 2002 e libertada pelo Exército da Colômbia em 2 de julho.

Segundo relatórios da organização, de 1996 até dezembro de 2007 havia 2.801 pessoas em cativeiro, das quais 25% estão nas mãos das Farc, 11% em poder do ELN, 9% nas mãos de criminosos comuns e o resto com grupos de dissidentes de guerrilhas, paramilitares e outros não identificados.

Enquanto isso, relatórios do Departamento Nacional de Planejamento (DNP) indicam que dos 15.218 seqüestros extorsivos registrados entre 1996 e 2007, as Farc foram responsáveis por 34%, seguidas pelo ELN, com 24%, por bandidos comuns, com 15%, e o grupo paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), com 4%.

O resto dos seqüestros registrados nesse período continua sem autor conhecido, pelo que são denominados "sem estabelecer", de acordo com o DNP.

Folha Online
24/11/2008

domingo, 16 de novembro de 2008

Chávez, o democrata

A pouco mais de 10 dias das eleições regionais, o caudilho Hugo Chávez dá novas mostras de que pretende colocar nos 22 cargos de governadores e 338 de prefeitos em disputa os candidatos de seu Partido Socialista Unidos da Venezuela (PSUV), custe o que custar. As pesquisas de opinião mostram que a oposição pode vencer em 8 Estados, e isso é inadmissível para Chávez. Ele precisa controlar todos os Estados para poder retomar o seu projeto de dotar a Venezuela de uma constituição socialista, tornando-se, por lei, ditador vitalício.

Para atingir esse objetivo, utiliza todos os meios à sua disposição, não economizando dinheiro, quando é possível comprar consciências e votos, e muito menos ameaças e a força física de seus prepostos, quando é o caso. Esse processo de fraude eleitoral começou há meses, quando a Controladoria-Geral, sob seu controle, declarou a inelegibilidade de mais de 280 candidatos da oposição que tinham boa aceitação ante o eleitorado.

Desde que se iniciou a campanha eleitoral, Hugo Chávez usa o seu programa semanal de rádio e televisão para ameaçar abertamente os candidatos da oposição e os eleitores independentes. Esta semana, um alto dirigente do PSUV anunciou que as "patrulhas" e os "batalhões" bolivarianos - milícias a serviço de Hugo Chávez - começarão a visitar os eleitores, "casa por casa", para entregar-lhes santinhos com os nomes dos candidatos do partido. Não é necessário dizer que esta será uma operação de intimidação dos eleitores. Mussolini usava método parecido, convencendo os recalcitrantes a golpes de porrete e goles de óleo de rícino.

Mas Chávez também usa métodos mais suaves para obter os resultados eleitorais que deseja. Nos seus programas eleitorais, ele tem feito a propaganda de seus candidatos preferidos, embora isso seja proibido por lei. E, no dia 26 passado, o Conselho Nacional Eleitoral - que ele controla, como a todas as instituições venezuelanas - realizou uma votação simulada em todo o país, a pretexto de verificar o funcionamento das máquinas eletrônicas e de ensinar os eleitores a utilizá-las. Ao PSVU foram distribuídas, com grande antecipação e em quantidades generosas, as cédulas que seriam usadas nos testes. Os partidos de oposição receberam pequenas quantidades de cédulas na véspera da votação simulada.

Chávez tem dedicado especial atenção aos Estados onde a oposição é forte. Essa seria uma estratégia eleitoral normal, não fossem os argumentos que utiliza para reverter a tendência do eleitorado. Primeiro, ele "amacia" os eleitores com farta distribuição de brindes - o que, em qualquer democracia, seria considerado compra de votos. Depois, ele utiliza um vasto repertório de palavras chulas para classificar seus adversários e de ameaças, se eles vencerem as eleições.

Num comício no Estado de Carabobo, por exemplo, depois de reconhecer que seu candidato não está bem cotado nas pesquisas, ele advertiu o eleitorado: "Se vocês permitirem que a oligarquia volte ao governo regional, talvez eu acabe usando os tanques da brigada blindada para defender o governo revolucionário e o povo. Pátria ou morte é o lema." Ao governador do Estado de Zulia, Manuel Rosales, que concorre à prefeitura de Maracaibo pela oposição, o caudilho também ameaça de prisão. Mas, antes, privará o Estado de recursos financeiros e enviará os tanques - sempre os tanques! - para restaurar a "ordem revolucionária".

Além disso, Chávez promete fazer do Estado de Barinas terra arrasada, se a oposição vencer. É que esse Estado é governado pelo pai do caudilho, e sua administração é um escândalo continuado, dada a ruína das contas públicas e a prosperidade das finanças da família. O candidato do PSUV, não por acaso, é Adán Chávez, filho do atual governador e irmão do caudilho que diz odiar as oligarquias.

A mais recente façanha de Hugo Chávez foi ter ordenado que as Forças Armadas ocupassem o aeroporto de Carúpano, no Estado de Sucre, sob o falso pretexto de que as autoridades locais impediam a construção de uma base de operações da estatal petrolífera. Antes, ele havia ameaçado mandar tanques para as ruas, em caso de vitória da oposição nas eleições do dia 23. Desnecessário dizer que o prefeito de Carúpano e o governador de Sucre são da oposição - e por isso estão ameaçados de ir para a cadeia.

Esses são os métodos "democráticos" que Hugo Chávez usa para vencer as eleições.

Estadão

terça-feira, 21 de outubro de 2008

O resultado da ingerência

Consumou-se na semana passada mais um caso acintoso de promiscuidade entre o poder público e interesses privados no governo Lula, numa variante da história de interferência do Planalto na agência reguladora do setor aéreo para que autorizasse a seqüência de transações que desembocaria na venda da Varig para a Gol. Desta vez foi a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o órgão cuja autonomia o Executivo federal reduziu a quase nada ao fazê-la curvar-se aos seus intentos. Na última quinta-feira, o conselho diretor da Anatel - exatamente como se esperava - aprovou o casuísmo de mudar o Plano Geral de Outorgas (PGO), que proibia que uma concessionária de telefonia adquirisse outra para entrar numa região do País diferente daquela onde foi autorizada a operar.

O fim da proibição, concebida como barreira à cartelização do setor, deu respaldo legal à fusão entre a Brasil Telecom (BrT) e a Oi, um negócio da ordem de R$ 12 bilhões acertado há meio ano com o apoio ostensivo do governo - portanto, na certeza compartilhada de que as regras da telefonia seriam adaptadas às conveniências dos grupos envolvidos na transação e de seus aliados na administração e no Congresso. A ingerência na Anatel, que incluiu a providencial nomeação de uma diretora sem familiaridade alguma com o setor, mas que votou da maneira "correta" na decisão final, foi como que antecipada pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa. Quando ainda não se falava da compra da BrT pela Oi, ele já a dava como certa, estando aí implícito que o sistema de outorga de concessões seria reformulado para permitir a operação.

Sob o argumento de que é do interesse nacional o surgimento de uma supertele no Brasil para estar à altura dos conglomerados que atuam em escala global, o que o governo fez, para favorecer os controladores da Oi, a antiga Telemar, foi transformar a administração pública em corretora de negócios, como afirmamos nesta página em junho passado. O governo e os seus parceiros corporativos impuseram a sua vontade à Anatel de outra forma ainda. A agência pretendia proibir as concessionárias de telefonia fixa de oferecer acesso à internet de banda larga (em alta velocidade). Elas seriam obrigadas a criar empresas específicas, com infra-estrutura própria, para administrar esse serviço. O objetivo era dar acesso a outras provedoras às redes físicas das concessionárias - ou seja, ampliando a concorrência.

A separação foi derrotada por 3 votos a 2. Um dos vencidos foi o relator da proposta do novo PGO, o conselheiro Pedro Jaime Ziller. Ele sustenta, como explicou em entrevista a este jornal, que a medida permitiria "controlar os pedidos de acesso às redes e dar tratamento isonômico na operação, garantindo a competição, aumentando o número de empresas e baixando os preços". Além disso, a legislação considera a telefonia fixa um serviço público e a oferta de banda larga um serviço privado. A separação garantiria que, ao final da concessão, as redes telefônicas revertessem para a União, como previsto nos contratos, sem nenhum complicador. A rigor, os conselheiros que se opuseram ao parecer de Ziller não se disseram contrários a ele. Alegaram apenas que a separação não poderia ser instituída no PGO.

"Quanto mais tempo demorar (a medida), mais imperfeito vai ficar, porque o poder de mercado das empresas só vai crescer", rebate Ziller. "A Anatel perdeu a oportunidade de provocar uma contrapartida (à liberação das fusões entre concessionárias de telefonia fixa)." Atualmente, elas detêm 66% do mercado de acesso à internet em banda larga. Nas cidades menores, o controle é praticamente total. Não surpreende, pois, a resistência das teles. Mas a posição do governo deveria ser de neutralidade, para que a decisão da agência reguladora - teoricamente autônoma - não corresse o risco de ser contaminada por fatores externos (o ministro das Comunicações manifestou-se abertamente contra a separação, endossando o ponto de vista das concessionárias de que a mudança criaria custos, os quais seriam repassados aos usuários, tornando mais oneroso o acesso à banda larga). É inegável que a decisão da Anatel prejudica o direito de escolha dos usuários e ameaça os pequenos provedores.

Estadão

domingo, 12 de outubro de 2008

A queda do petróleo assusta a Opep

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) marcou uma reunião extraordinária para 18 de novembro, em Viena, para discutir o impacto da crise mundial sobre o mercado da commodity. O pano de fundo é uma redução da oferta para conter o declínio de preços, que saíram do pico de US$ 145 o barril do tipo WTI, em julho, para US$ 115 em agosto, US$ 100 em setembro e chegaram a menos de US$ 80 sexta-feira, em Nova York. Se é improvável um corte efetivo na oferta, é certo que o poder da Opep diminuiu com a crise.

Símbolo da euforia das commodities, o petróleo tornou-se agora uma das principais vítimas da reversão, com queda de 45% em 90 dias. Mas seus preços ainda superam os de janeiro de 2007 e 2006, de US$ 72 e US$ 66, respectivamente.

Alguns produtores, como a Venezuela, onde o petróleo representa 75% das exportações e 40% das receitas orçamentárias, mostram desespero. Segundo analistas privados, se os preços ficarem em US$ 80 o barril, a situação venezuelana será insustentável, pois a demanda interna depende dos gastos públicos. As importações triplicaram, em volume, nos últimos três anos e sem elas a inflação superaria 30% ao ano.

A queda dos preços do óleo pressionará os exportadores, cujas economias passarão a crescer menos, mas beneficiará os importadores. O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, notou que um corte da produção de petróleo seria "mau para a economia mundial".

No passado, decisões de corte da Opep foram ignoradas pelos países membros da organização, ante a aguda necessidade de dólares. É possível que isso se repita agora.

Os dados do relatório do mercado de petróleo da Agência Internacional de Energia (IEA), divulgado anteontem, mostram a volatilidade sem precedentes dos preços do óleo. E esses caíram, em setembro, apesar da diminuição da oferta de 300 mil barris/dia e da queda de 5,1 milhões de barris dos estoques dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O motivo é a queda de cerca de 500 mil barris/dia da demanda global estimada pela IEA para 2008 e de 400 mil barris/dia projetada para 2009. O relatório tomou por base o Panorama Econômico Mundial, apresentado quarta-feira pelo FMI.

A queda dos preços do petróleo ajuda o Brasil, que importa mais do que exporta, mas não ajuda a Petrobrás. Se persistir, a queda poderá afetar os projetos de exploração do pré-sal.

Estadão

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Uma reforma mais radical

por Diogo Mainardi,
revista Veja


Eu sou um ardoroso defensor da reforma ortográfica. A perspectiva de ser lido em Bafatá, no interior da Guiné-Bissau, da mesma maneira que sou lido em Carinhanha, no interior da Bahia, me enche de entusiasmo. Eu sempre soube que a maior barreira para o meu sucesso em Bafatá era o C mudo. Aguarde-me, Bafatá!

Nossa linguagem escrita está repleta de letras inúteis. A rigor, todas elas. Abolir o trema ou o acento agudo de alguns ditongos deveria ser apenas o primeiro passo para abolir o resto do alfabeto. Se os italianos decidissem abolir a linguagem escrita, perderiam Dante Alighieri. Se os brasileiros decidissem abolir a linguagem escrita, conseguiriam libertar-se de José Sarney.

José Sarney idealizou a reforma ortográfica em 1990. Ela foi escanteada por praticamente duas décadas, até a semana passada, quando Lula a sancionou. A posteridade se recordará da reforma ortográfica como a grande obra de José Sarney, ao lado da emenda parlamentar que permitiu ampliar o aeroporto internacional do Amapá para o atendimento de 700 000 passageiros.

Para os brasileiros, a reforma ortográfica tem um efeito nulo. Ninguém sabia escrever direito antes dela, ninguém saberá escrever direito depois. O caso dos portugueses é mais complicado. Eles concordaram em abrasileirar sua ortografia. Isso acarretou a necessidade de abdicar de um monte de consoantes duplas herdadas do latim. Alguém ainda se lembra de José de Anchieta? Quando ele desembarcou no Brasil, abdicou do latim e passou a rezar em tupi, para poder se comunicar com os canibais. Foi o que os portugueses, mais uma vez, concordaram em fazer agora: para poder se comunicar com os canibais – Quem? Eu? –, adotaram sua língua.

Eu entendo perfeitamente o empenho dos brasileiros em deslatinizar a língua escrita. De certo modo, o latim representa tudo o que rejeitamos: os valores morais, o rigor poético, o conhecimento científico, o respeito às leis, a simetria das formas, o pensamento filosófico, a harmonia com o passado, o estudo religioso. Ele encarna todos os conceitos da cultura ocidental que conseguimos abandonar. Eliminando o C e o P de certas palavras, Portugal poderá se desgrudar da Europa e ancorar na terra dos tupinambás.

Eu já enfrentei outra reforma ortográfica. Em 1971, durante a ditadura militar, Jarbas Passarinho, por decreto, cancelou uma série de acentos. Além do Brasil, só a China de Mao Tsé-tung pensou em fazer duas reformas ortográficas em menos de quarenta anos. Quando a reforma ortográfica de Jarbas Passarinho foi implementada, eu acabara de me alfabetizar. O resultado desse abuso foi despertar em mim uma salutar ojeriza pela escola. Nos anos seguintes, a única tarefa didática que desempenhei com interesse foi me lambuzar com cola Tenaz e, depois de seca, despelá-la aos pedacinhos. Meus amigos fizeram o mesmo. O analfabetismo causado pela reforma ortográfica de 1971 – e pela cola Tenaz – impediu que muitos de nós nos transformássemos em algo parecido com José Sarney. Espero que a reforma ortográfica de 2008 tenha um resultado semelhante. Em Carinhanha e em Bafatá.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Ações de empresas na Bovespa perdem R$ 179 bi em setembro

Vale puxa queda no valor de mercado das companhias; Bolsa de São Paulo é o pior investimento do mês

Giuliana Vallone, do estadao.com.br

SÃO PAULO - O valor de mercado das empresas brasileiras listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) registrou perda de R$ 179,424 bilhões em setembro. Segundo a consultoria Economatica, das 336 companhias que fazem parte dos índices da Bolsa, 285 tiveram queda nos preços de suas ações no mês, prejudicadas pelo agravamento na crise financeira.

Veja também:

linkBovespa cai mais de 11% em setembro; dólar tem maior valorização mensal em 6 anos

linkA cronologia da crise financeira

linkVeja os principais pontos do pacote dos EUA especial

linkEntenda a crise nos EUA especial

linkEntenda o que acontece com o fracasso do pacote especial

A Bovespa fechou o mês em queda acumulada de 11,03%, influenciada pela deterioração do cenário externo causada pelos problemas no mercado de crédito nos Estados Unidos. Nem a alta de 7,63% no último pregão de setembro impediu que a baixa acumulada passasse dos 10%.

A queda no valor das ações de empresas brasileiras foi puxada pela Vale, que perdeu R$ 33,139 bilhões no período de 30 dias. Em seguida, veio a Gerdau, com perda de R$ 12,4 bilhões, e a Siderúrgica Nacional, com - R$ 12,119 bilhões. As ações da própria Bolsa - BM&F Bovespa - perderam R$ 8,05 bilhões no período, ocupando o quinto lugar do ranking.

Já a Petrobras, que teve US$ 117 bilhões subtraídos do preço de suas ações entre maio e o o início deste mês, ficou na 27ª posição, tendo registrado perdas de R$ 1,492 bilhões no seu valor de mercado em setembro.

Investimentos

No ranking de investimentos do mês, a queda de 11,03% acumulada no mês levou o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) a registrar o pior desempenho desde abril de 2004 e a ficar na lanterninha. Com a crise financeira, o ouro assumiu a liderança da lista, com alta de 22,5% no mês, a maior do metal desde janeiro de 1999, quando o Brasil passou por uma dura crise cambial.

O dólar comercial e o paralelo também tiveram forte alta em setembro, de 16,47% e 13,26%, respectivamente.

Entenda o índice Ibovespa

Para facilitar a compreensão do investidor sobre o comportamento do mercado acionário, as bolsas de valores são representadas por índices, que reúnem um grupo de ações e indicam se aqueles papéis subiram ou caíram, em média. Esses índices são determinados em pontos, e a mudança na pontuação serve para calcular a variação média da bolsa naquele dia. Por isso, sempre que o investidor ler notícias do mercado acionário, encontrará a informação sobre quanto a bolsa variou e para qual pontuação.

A metodologia de cálculo do índice varia para cada bolsa, assim como a composição. O Ibovespa é o melhor indicador do desempenho médio das ações no mercado brasileiro, pois reúne os papéis que representam mais de 80% do volume negociado na bolsa. A pontuação do índice representa o valor atual, em moeda corrente, dessa carteira de ações.

A pontuação considera a variação do preço das ações e o impacto da distribuição de proventos, que costumam ser descontados do valor do papel. Esses proventos podem ser dividendos, quando a empresa distribui parte do lucro aos acionistas, ou bonificações, quando a empresa distribui o resultado por meio da emissão de ações, que são entregues gratuitamente aos acionistas, de forma proporcional. Para facilitar a divulgação do índice, ao longo dos anos a pontuação foi dividida por 10, sem interferir no cálculo.

A Bolsa de Valores de São Paulo é responsável por calcular o Ibovespa em tempo real, tomando como base o preço dos negócios efetuados no mercado à vista com as ações da carteira. Essa carteira teórica, ou o grupo de ações que compõe o Ibovespa, é divulgada a cada quatro meses. Cada ação que compõe o Ibovespa tem um peso diferente, que está relacionado ao quanto essa ação tem representatividade na negociação do mercado. O Ibovespa é a soma dos pesos de todas as ações que o integram.

Com a carteira formada, o índice de cada ação é ajustado para se obter a participação de cada papel, tendo como base 100 pontos. Por exemplo, uma ação tem peso de 32,08, outra de 25,14 e assim por diante, até chegar à soma de 100 pontos. Feito isso, cada uma dessas participações é multiplicada pela pontuação do Ibovespa no dia anterior, por exemplo, 10.000 pontos, e cada nova participação é dividida pela cotação de cada papel no fechamento do pregão anterior.

Com isso, a Bovespa obtém a quantidade teórica de cada papel. A partir daquele dia, para saber a variação do índice Ibovespa, essa quantidade teórica é multiplicada pela cotação da ação e as pontuações são somadas, por exemplo, chegando a 10.052 pontos. Com isso, o Ibovespa subiu 0,52%, mesmo que algumas ações da carteira tenham caído ou subido mais.

Estadão

30 de setembro de 2.008

http://www.estadao.com.br/economia/not_eco251118,0.htm


quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A Urucubaca Presidencial

- Campeão, o tenista Gustavo Kuerten presenteou-o com uma raquete e nunca mais foi o mesmo.

- O boxeador Popó jamais venceu uma luta importante após presentear o petista com seu par de luvas.

- O mega-star Lenny Kravitz até sumiu do show-business, após presentear o presidente com sua guitarra famosa. 

- O presidente do Botafogo, Bebeto de Freitas, foi ao Palácio do Planalto levar uma camisa do time às vésperas da decisão da Copa do Brasil, em 2007, e na final aconteceu o que parecia impossível: perdeu o título para o Figueirense em pleno Maracanã, com dois gols duvidosos.

- O Corínthians caiu para a segundona logo depois de o presidente ser homenageado pela diretoria do clube com uma camisa 10 e seu nome grafado. 

- Antes de partir para a última Copa do Mundo, Roberto Carlos foi o único jogador a visitar Lula, levando para ele uma camisa da Seleção autografada pelos craques. O lateral-esquerdo ajeitava o meião quando Thierry Henri fez o gol francês que tirou o Brasil da final.

- Após uma campanha espetacular na Copa Libertadores da América, o time do Fluminense recebeu a visita de Lula antes da final com a LDU. O presidente até posou para fotos exibindo a camisa do time. No jogo, em pleno Maracanã, o Flu perdeu três pênaltes e o título. 

- Há algumas semanas, a antes imbatível seleção masculina de vôlei esteve com o presidente. Perdeu os dois jogos seguintes diante da torcida brasileira, o título da Copa do Mundo, além da medalha de ouro na Olimpiada de Pequim.

- Antes de embarcar para a China, o ginasta Diego Hipólito foi se despedir do presidente e não preciso dizer o que aconteceu: caiu de bunda em seu último movimento no exercício de solo e perdeu a medalha quase garantida...

- O CIELO SE RECUSOU A ENCONTRÁ-LO E GANHOU O OURO!!!!! 

FOGE DESSE HOME, SÔ!!!

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Novas vertentes do ''nunca antes''

Um amigo bem-humorado comentou de passagem que o presidente Lula havia criticado fortemente todos os responsáveis pela política econômica "deste país" nos 20 anos que se lhe antecederam. No exterior, ocupado com outras coisas, considerei o fato apenas mais uma das incontáveis manifestações do "nunca antes jamais na história", hoje definitivamente incorporado ao anedotário político do País. Nonada.

Mas, aparentemente, o que era uma pessoal marca registrada, patenteada pelo presidente Lula, está assumindo - e não apenas nos palanques - foros de um discurso oficial de uso mais amplamente disseminado. E assumindo novas vertentes. Por exemplo, a ministra-chefe da Casa Civil, a nova "capitã do time", em discurso proferido na bela cerimônia comemorativa dos 40 anos da revista Veja, dez dias atrás, insistiu no fato de que o futuro do Brasil já chegou - e que este futuro começou com o governo Lula. As expressões "só agora", "estamos começando" e "vamos começar" foram recorrentes - num discurso de dez minutos de duração.

É extremamente desejável que discursos políticos estejam voltados para o futuro. Mas o fato é que a capacidade de avaliar - e de responder a - riscos, desafios, incertezas e oportunidades (que o futuro sempre encerra) depende, em boa medida, da qualidade de nosso entendimento sobre os processos pelos quais chegamos ao sempre fugidio momento presente. É nesse sentido que a história é, e sempre será, um infindável diálogo entre passado e futuro. Algo que a litania do "nunca antes" procura, consciente ou inconscientemente, considerar irrelevante ou relegar ao mais simples de seus significados.

A propósito, cabe mencionar a meritória iniciativa do governo de comemorar, nesta última semana, os 200 anos de existência do Ministério da Fazenda (1808-2008) com a realização de um evento em Brasília para o qual foram convidados todos os ex-ministros da pasta ainda vivos. Não para um simples encontro social, mas para que cada um desse um depoimento franco sobre os principais desafios que teve de enfrentar em sua gestão. Algo civilizado. Um reconhecimento de que houve um "antes": épocas em que o passado, hoje conhecido, ainda era um incerto futuro. Uma homenagem aos que aceitaram as responsabilidades do cargo, no qual procuraram servir ao País.

Pois bem, de volta do exterior, apenas no meio da semana tive oportunidade de ver matéria intitulada Lula chama antecessores na economia de criminosos, que reproduz trechos do "discurso" presidencial proferido em Ipojuca (PE) para um público de metalúrgicos. Bem sei que em palanques, com audiências cativas, políticos tendem a se deixar levar por emoções, por arroubos retóricos e pelo calor da hora. Mas o presidente disse, textualmente, que um indivíduo preso porque cometeu um delito "é menos criminoso do que aqueles que foram responsáveis pela política econômica e pela política de desenvolvimento deste país nos últimos 20 anos" (Folha de S.Paulo, 6/9).

Esta é uma nova vertente do "nunca antes". Agora não é apenas o passado em geral que se procura acusar. Agora são pessoas que têm nome e biografia conhecidos que são tachadas de criminosas com insensata ligeireza. Como dizem os cariocas, "menos presidente, menos". Afinal, os "últimos 20 anos" incluem os governos de cinco ex-presidentes e daqueles que lhes serviram - e ao País - como "responsáveis pela execução da política econômica e da política de desenvolvimento". Se considerarmos todos os ex-ministros da Fazenda e do Planejamento (e presidentes do Banco Central), estamos falando de várias dezenas de pessoas. Todos "criminosos", presidente?

Tenho certeza que nosso presidente, no fundo, não acha realmente isso e reconhece que a metáfora talvez tenha sido particularmente infeliz. Afinal, foi o mesmo presidente, em discurso feito em Massaranduba (BA), em março de 2006, que afirmou: "É possível fazer política de forma civilizada." E eu realmente prefiro acreditar no Lula de Massaranduba do que no Lula de Ipojuca. Dúvidas excessivas sobre qual é o verdadeiro Lula, ou percepções de que a resposta é "ambos", poderiam levar alguns a endossar a observação de Ferreira Gullar: "Ele diz qualquer coisa a qualquer hora, depende do público que o assiste e da conveniência do momento."

E chego aqui ao que efetivamente importa, no momento e nos próximos anos. Fica e ficará cada vez mais claro que o contexto internacional mudou desde fins de 2007 e que a economia mundial será menos favorável, mais turbulenta, mais volátil e, certamente, crescerá menos nos próximos dois anos em razão da grave crise de confiança que ora assola o sistema financeiro e os mercados de crédito do mundo desenvolvido.

Não tenhamos dúvidas de que seremos afetados enquanto esta crise estiver seguindo seu curso, que não será de curta duração. Mas, como toda crise, será resolvida um dia - ainda que a um custo não trivial. E também, como toda crise, oferece oportunidades não só a empresas, como a países que não se deixam levar por excessos de complacência e auto-indulgência derivados de vários anos de desempenho favorável.

Mais uma razão para um sereno olhar à frente. Se os ventos que sopram do exterior se tornam menos favoráveis, há que avançar mais - e não menos - na consolidação e ampliação de mudanças estruturais e avanços institucionais e no compromisso firme com políticas macro e microeconômicas consistentes. O Brasil está excepcionalmente bem posicionado para aproveitar as oportunidades que crises como esta, e sua superação, sempre encerram.

Um país que, exatamente porque está com os olhos firmemente postos no futuro, não perde tempo com discussões estéreis, falsos dilemas e insensatas condenações a esforços passados. Sem ajuda dos quais seu sucesso atual e suas promissoras possibilidades futuras simplesmente não existiriam na configuração de hoje.

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC E-mail: malan@estadao.com.br

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Escalada de violência na Bolívia

Há duas semanas, grupos que se opõem a Evo Morales bloqueiam estradas e ocupam prédios públicos. Chegaram a impedir que o helicóptero que transportava o presidente da Bolívia pousasse em várias cidades que ele pretendia visitar. Na segunda-feira, ocuparam os postos de alfândega e imigração nas fronteiras com o Brasil e a Argentina e tomaram vários escritórios da empresa estatal de petróleo e coletorias federais. Ontem, sabotaram gasodutos, provocando a interrupção parcial do fornecimento do combustível para o Brasil e total para a Argentina.

Nos cinco Departamentos (Estados) da “meia-lua” - Santa Cruz, Beni, Pando, Tarija e Chuquisaca - pratica-se o que chamam de “desobediência civil”, mas já assume ares de franca e violenta rebeldia contra o governo central. Foi essa a resposta do Conselho Nacional Democrático, que reúne as autoridades regionais e os dirigentes cívicos dos cinco Departamentos, ao decreto baixado pelo presidente Evo Morales, no final de agosto, convocando para o dia 7 de dezembro referendos para a aprovação da nova Constituição e para a substituição de dois governadores que foram destituídos no referendo de 10 de agosto.

Evo Morales interpretou mal os resultados daquela consulta popular. Com seu mandato confirmado por cerca de 67% dos eleitores, entendeu isso como um sinal de que a maioria da população apóia as drásticas mudanças institucionais que ele pretende fazer, dando autonomia aos povos indígenas - mas não aos Departamentos -, ampliando a intervenção do Estado na economia, instituindo a reeleição para a presidência e criando conselhos comunais que se sobrepõem aos sistemas legislativo e judiciário tradicionais.

Sentindo-se politicamente forte, repetiu o que fizera quando definiu a forma de aprovação da nova Constituição, votada num quartel, sem a presença da oposição: atropelou a Constituição e as leis vigentes. Em primeiro lugar, porque a Constituição determina que referendos só podem ser convocados pela Assembléia; em segundo, porque, por lei, só pode haver um referendo no ano e este já fora realizado.

Os governos dos seis dos nove Departamentos que se opõem a Evo Morales reagiram imediatamente, anunciando que em seus territórios não será realizado o referendo convocado pelo presidente. Como o Estado de Direito é uma ficção na Bolívia - os governadores de Beni, Pando, Tarija e Santa Cruz, por exemplo, realizaram referendos sobre a autonomia departamental ao arrepio da lei -, ninguém pensou em recorrer à Corte Suprema ou ao Tribunal Nacional Eleitoral. Os dirigentes do Conselho Nacional Democrático decidiram apoiar a decisão dos governadores da “meia-lua” e mobilizar a “resistência cívica”.

O presidente Evo Morales - que havia reconhecido que o decreto de convocação do referendo de dezembro, se não era legal, era legítimo - retaliou à sua maneira. Cortou os repasses aos Departamentos da parte que lhes cabe das receitas dos hidrocarbonetos. Esse “castigo” afetou as finanças tanto dos Departamentos produtores de petróleo e gás como dos mais pobres. Segundo as autoridades de Beni, por exemplo, na semana passada o Tesouro local não dispunha de mais de 20 mil bolivianos para atender a seus compromissos financeiros.

A sabotagem nos gasodutos e a ocupação das aduanas, dos escritórios da YPFB e das coletorias foram a resposta dos movimentos cívicos.

Nos últimos dois anos, na Bolívia não há lei a respeitar nem instituições que funcionem regularmente. O país está à mercê do arbítrio de um presidente que insiste em instituir uma forma de governo sui generis, baseado numa ideologia nacional-indigenista anacrônica e irresponsável, e um regime autoritário, à semelhança do que seu mentor Hugo Chávez vem praticando na Venezuela.

A oposição, por sua vez, não tendo instituições às quais apelar, está compreensivelmente reagindo nos termos em que Evo Morales colocou a disputa: com atos de arbítrio, a mobilização dos movimentos cívicos e políticas de fatos consumados.

A escalada é crescente, sem que haja, de parte a parte, disposição para negociar soluções de compromisso. O impasse caminha para um desfecho violento.

Estadão

sábado, 23 de agosto de 2008

TEMPERAMENTO DE REBANHO

por Diogo Mainardi, na Veja

– Faz o quatro, Diego Hypólito!

Roubei o mote de um amigo meu. E acrescentei prontamente: o que a queda de Diego Hypólito tem a ver com nossa queda para o roubo? Qual é o ponto em comum entre a poltronice de nossos atletas e a poltronice dos brasileiros em geral? Como o fracasso de nossos esportistas se relaciona com nosso fracasso como país?

É o que analisarei a partir de agora, postado na frente do computador, com minha malha elástica dégradée, dando uma rápida pirueta antropológica, seguida por dois parafusos sociológicos e meia dúzia de cambalhotas etnológicas, com grande probabilidade de repetir o feito de Diego Hypólito e aterrissar bisonhamente com o traseiro no tablado.

– Faz o quatro, Diogo Mainardi!

Quem leu a última VEJA pode tentar acompanhar meus volteios. A reportagem apresenta dois dados. O primeiro repete aquilo que já sabíamos: temos os estudantes mais analfabetos do planeta. Ninguém compete conosco em matéria de analfabetismo. Somos mais analfabetos do que todos os outros analfabetos. O segundo dado da reportagem é mais espantoso. Uma pesquisa encomendada por VEJA revelou que, ao mesmo tempo em que temos os estudantes mais analfabetos do planeta, estamos plenamente satisfeitos com isso. Alunos, pais e professores aprovam nossas escolas.

Eu entendo os alunos. A escola, para mim, representou uma completa perda de tempo. As melhores escolas foram aquelas que menos me ensinaram, permitindo que eu pulasse o muro e fosse jogar pebolim no boteco da esquina. Tende-se a superestimar o valor da escola. Os estudantes sabem perfeitamente que, por mais que se empenhem, nada do que os professores lhes disserem terá utilidade prática. É natural que eles se contentem com uma escola que os desobriga de estudar.

Entendo também os professores. Se a escola fosse menos imprestável, boa parte deles seria posta na rua. O que de fato impressiona é o entorpecimento dos pais. É neste ponto que reintroduzo o tema inicial do artigo: o fracasso de nossos atletas. E é neste ponto que Diego Hypólito e eu aterrissamos com o traseiro no tablado. O Brasil fracassa no esporte pelo mesmo motivo por que fracassa como país: temos uma sociedade acovardada, fujona, avessa à luta. Tudo aqui é feito para desestimular a disputa, para reprimir o desafio pessoal, para amolecer o caráter: o parasitismo estatal, a política fundada no escambo, a cultura baseada no conchavo, a repulsa por idéias discordantes. Esse nosso temperamento de rebanho inibe qualquer forma de atrito, qualquer tipo de inconformismo, qualquer espécie de enfrentamento. Quando temos de competir, afinamos. Por isso aprovamos uma escola que produz analfabetos. Por isso aprovamos governantes que roubam. A gente se satisfaz com facilidade: basta fazer o quatro. E nem é preciso conseguir colocar o dedo na ponta do nariz.

sábado, 2 de agosto de 2008

Cartas com esperança e com afeto

Primeiro volume de correspondências do padre jesuíta, organizado por João Lúcio de Azevedo, ganha edição inédita no Brasil

Francisco Quinteiro Pires

Com esperança e com afeto. Todas as cartas de padre Antônio Vieira apresentam esses recursos para conquistar a simpatia do destinatário. "Mas suas correspondências não têm nada de estritamente pessoal, ou íntimo, da forma como pensamos hoje", diz Alcir Pécora, um dos maiores especialistas brasileiros em Vieira, cujos 400 anos de nascimento são comemorados neste ano. Ele assina o prefácio do primeiro volume de Cartas (Globo, 484 págs., R$ 39), organizado pelo historiador português João Lúcio de Azevedo e editado pela primeira vez no Brasil.

"Vieira via basicamente o ato de escrever como um ato negocial, uma forma de atuação fortemente política", diz Pécora. Essa concepção, no entanto, não impedia o jesuíta de usar recursos emocionais para conquistar a boa disposição do leitor. Ele imprimia um "temperamento" às correspondências, por meio das quais estimulava uma partilha solidária com o destinatário, transformado em cúmplice. Se existe um caráter particular nas correspondências, ele aparece no comprometimento, até a medula, do jesuíta com suas crenças religiosa e política. "A meu ver, o destinatário virtual ou ideal de todas as cartas de Vieira é o Príncipe, aquele que exercia no momento o mando."

Padre Antônio Vieira acreditava na idéia de uma monarquia cristã universal. Ele via o império português como o Estado que concretizaria essa monarquia no mundo todo. Era o Quinto Império, fundado por um rei português, um longo período de paz na terra, antes da chegada ao anti-Cristo e do Juízo Final. "Pode-se dizer que essa crença está pressuposta em todas as cartas", diz Pécora. "Mas sempre de forma dramática, problemática, por vezes contrariada, por vezes no limite do desengano." O volume 1 contém a carta conhecida como Esperanças de Portugal, V Império do Mundo, de 29 de abril de 1659. O Tribunal do Santo Ofício de Coimbra se baseou nela para acusar Vieira.

A esperança no Quinto Império teria de vir com a graça dos céus, mas ela só se concretizaria se o rei de Portugal a transformasse numa razão de Estado. "Esta, entretanto, na perspectiva de Vieira, invariavelmente faltava ao governo português." Pécora lembra que o jesuíta se valia das cartas para reforçar "o corpo místico" do poder imperial. O padre Antônio Vieira (1608-97) chamava para si a missão de interpretar os sinais divinos para daí aconselhar o rei que lhe desse ouvidos. Não à toa, d. João IV, seu protetor, foi um dos principais correspondentes.

Alcir Pécora explica que Antônio Vieira obedecia a procedimentos ditados pela Companhia de Jesus para escrever as cartas. Era a ars dictaminis, que previa a seguinte divisão da estrutura do texto: salutatio (saudação ou cumprimento); captatio benevolentiae (obtenção de simpatia ou boa disposição); narratio (narrativa e relação); petitio (pedido, solicitação); e conclusio (fecho, conclusão).

Embora sejam práticas de escrita convencionais, as cartas e os sermões têm diferenças no que se refere às suas determinações. "No sermão, o fundamental é a demonstração de um tema extraído do Evangelho do dia, tendo em vista o calendário litúrgico e o tempo histórico vivido pelo auditório", diz Pécora. "Nas cartas, o que conta é a composição de uma narrativa que desemboca num pedido: os procedimentos de conquista são mais desenvolvidos", completa.

Autor de História de Antônio Vieira, a mais completa biografia do jesuíta, dividida em dois tomos, João Lúcio de Azevedo adotou um procedimento cronológico de organização. O volume 1 reúne 93 cartas, escritas entre 1646 e 1661, disposta em cinco seções. Previsto para ser lançado em outubro, o 2 apresenta 321 correspondências, redigidas entre 1662 e 1673, distribuídas em duas seções. Previsto para dezembro, o terceiro volume tem 305 epístolas, escritas entre 1674 e 1697, dividido em cinco seções. Pouquíssimas cartas surgiram depois dessa organização, feita entre 1925 e 1928. Os três volumes são considerados a compilação mais sólida das cartas de Antônio Vieira.

Estadão

sábado, 19 de julho de 2008

EU SOU A BRITNEY SPEARS!

por Diogo Mainardi, na VEJA

Um relatório da PF me acusou de ser colaborador de Daniel Dantas. Quando li meu nome nas páginas policiais, pensei, tremulante e sem ar:

– Amy Winehouse! Eu sou a Amy Winehouse!

Imagens assustadoras passaram por minha mente. Eu, embriagado e algemado, na porta de uma delegacia. Eu, num bar, aos tapas e pontapés. Eu, de sutiã, vagando pelas ruas da cidade.

Depois pensei, ainda mais angustiado:

– Britney Spears! Eu sou a Britney Spears!

Me vi de cabeça raspada. Me vi fotografado, sem cuecas, descendo de um carro. Me vi perdendo a guarda de meus filhos.

A idéia de que sou um colaborador de Daniel Dantas é uma patetice. Basta ler os grampos da PF. Sabe o que há contra mim? Daniel Dantas e seus funcionários comentaram uma de minhas colunas e mandaram traduzir um documento que disponibilizei a todos os leitores na internet. Meu crime é ser lido.

O relatório da PF sobre a imprensa, apesar de seu caráter grotesco, merece ser analisado por outro motivo: ele mostra claramente quem foi o inspirador do inquérito, e qual era seu objetivo. De um jeito ou de outro, todos os jornalistas citados pisaram no pé de Luiz Gushiken e seu bando. Eu pisei. Um bocado. No comecinho de 2007, Luiz Gushiken até mandou a PF me investigar. Pisei no pé também de seus blogueiros de aluguel. E no do atual diretor da Abin, Paulo Lacerda. E no de seu antecessor no cargo, Mauro Marcelo. E no de Luiz Roberto Demarco, denunciando a montanha de dinheiro que ele ganhou como lobista da Telecom Italia. Aliás, desconfio que o próprio Demarco tenha ajudado a fabricar o relatório sobre a imprensa. É um acerto de contas com alguns de seus maiores desafetos, tanto profissionais quanto pessoais, como Guilherme Barros, da Folha de S.Paulo, cuja única culpa foi ter se casado com sua ex-mulher.

Por tudo isso, digo que o inquérito contra Daniel Dantas e Naji Nahas só pode ser interpretado da maneira mais elementar: foi a última cartada de Luiz Gushiken e seus palermas para tentar impedir a compra da Brasil Telecom pela Oi. Há recados para todos os que participaram do negócio, até mesmo para Lula, por meio dos grampos em Gilberto Carvalho. A compra da Brasil Telecom pela Oi é realmente escandalosa. Espero que Luiz Gushiken consiga afundá-la. Se dependesse apenas da PF, porém, os quadrilheiros sairiam impunes. Ainda bem que há juízes e procuradores para controlar todos os abusos. Eles podem separar direitinho o que é crime e o que não é.

Todo mundo aqui sabe que eu gosto de contar vantagem. É o que vou fazer agora. Quatro meses atrás, concluí um podcast para Veja.com da seguinte maneira:

"O plano da ala trotskista do PT, de Luiz Gushiken, era reestatizar a telefonia com dinheiro dos fundos de pensão e do BNDES. Como sempre acontece com os trotskistas, eles bobearam e acabaram com um picador de gelo enterrado no cocuruto. A Oi está abocanhando a Brasil Telecom, mas seu comando será entregue aos grandes financiadores de Lula e de seus filhos, em sociedade com Daniel Dantas. A ala trotskista do PT ainda pode tentar melar o jogo usando aquilo que lhe resta: um pedacinho da PF, outro pedacinho da Abin, outro pedacinho do Ministério Público. Para quem está do lado de fora, é uma farra acompanhar a guerra entre os companheiros petistas. O Brasil está completamente rendido. Agora só o PT pode destruir o PT".

Já posso tirar o sutiã?

sexta-feira, 11 de julho de 2008

A PF e o ''simbolismo penal''

Ao tentar justificar os métodos utilizados pela Polícia Federal (PF) para realizar a Operação Satiagraha, que foram classificados como atrabiliários por juristas respeitados, independentemente do envolvimento dos acusados em esquemas de corrupção, o ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou que as prisões efetuadas pela PF constituíram a versão brasileira da Operação Mãos Limpas, que colocou empresários, políticos e chefes da máfia italiana atrás das grades, na década de 90, e disse que a atuação da corporação teve "um caráter educativo para a sociedade".

No despacho em que concedeu habeas-corpus a 11 dos 17 presos e autorizou os advogados a terem acesso ao inquérito, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, demoliu as justificativas do ministro da Justiça. Ele criticou o uso abusivo das prisões preventivas e dos grampos telefônicos, lembrou que o ordenamento jurídico brasileiro não prevê prisão com "a finalidade exclusiva de propiciar interrogatório de acusados", classificou a conduta dos federais como "totalmente descabida" e afirmou que eles violaram garantias fundamentais asseguradas pela Constituição.

Em seu despacho, Mendes transcreve uma análise que o jurista Norberto Bobbio fez da Operação Mãos Limpas, quando vários promotores e juízes italianos invocaram o combate à corrupção para justificar o recurso a métodos legalmente discutíveis "na luta contra o crime". Essa foi a maneira sutil que o presidente do STF encontrou para refutar o ministro Tarso Genro, sem citá-lo nominalmente. O respeito aos direitos individuais "é que permite avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir civilização de barbárie", concluiu Mendes, com base em Bobbio.

As advertências do presidente da mais alta corte do País não poderiam ser mais oportunas. Procurando mostrar a eficácia de suas ações de combate ao crime, há muito tempo a PF vem utilizando métodos que têm um sentido pretensamente simbólico ou "educativo", tentando passar para uma opinião pública não afeita às técnicas do direito a idéia de estar provada a culpa dos suspeitos antes mesmo da conclusão dos inquéritos. Com isso, sem terem sido ouvidos, processados e julgados, os suspeitos são apresentados como culpados em caráter definitivo.

É um flagrante desprezo à presunção de inocência e ao direito ao devido processo legal. Um dos exemplos mais ilustrativos desse "simbolismo penal" ocorreu em 2007, durante a Operação Navalha, quando a PF "vazou" um vídeo com cenas de uma suposta entrega de propina ao então ministro Silas Rondeau, tendo como fundo a trilha sonora do filme "O poderoso chefão". Na ocasião, os federais também "vazaram" a informação de que haveria um certo Gilmar Mendes numa lista apreendida, visto que desde sempre sabiam que se tratava de um homônimo do ministro do STF.

O problema do "simbolismo penal", como tem ficado evidente nas operações da PF, é o desprezo às regras mais elementares do direito. Muitas prisões são realizadas sem motivos concretos a justificá-las. Há casos de presos submetidos a degradante exposição pública sem que haja provas que os levem à condenação.

Na Operação Satiagraha, o caso mais absurdo foi o pedido de prisão de uma jornalista da Folha de S.Paulo, sob a justificativa de que teria divulgado dados sigilosos numa reportagem. Mais do que uma pretensão descabida, que em boa hora não foi acolhida pela Justiça, trata-se de uma inversão de valores, pois a corporação que acusa a jornalista de publicar dados sigilosos é a mesma que desprezou o sigilo ao "vazar" para a TV Globo as prisões do especulador Naji Nahas, do ex-prefeito Celso Pitta e do banqueiro Daniel Dantas (que foi novamente preso ontem, por ordem do juiz Fausto Martins De Sanctis).

Evidentemente, corrupção e o crime organizado têm de ser combatidos com o máximo rigor e pelo menos os três principais acusados pela Operação Satiagraha, como dizíamos no nosso editorial de ontem, "não é de hoje que freqüentam a crônica policial".

O cenário que justifica plenamente a investigação da PF está descrito no editorial abaixo, O arranha-céu da promiscuidade. Mas isso não significa que a legitimidade dos fins justifique o desprezo à legalidade dos meios, abrindo caminho para um Estado policial midiático. Pois sem o devido processo legal não existe Estado Democrático de Direito.

Estadão
11 de julho de 2.008

terça-feira, 1 de julho de 2008

O texto de Serra em homenagem a Ruth Cardoso

Pouco antes de sua morte, o presidente John Kennedy, ao participar de uma homenagem ao poeta Robert Frost, disse que uma nação se revela não apenas pelos indivíduos que produz, mas também por aqueles que decide honrar, que decide homenagear.

Eu diria que o Brasil se revelou grande nesta semana pelas tantas coisas boas e justas que foram ditas a respeito da Ruth. O que se viu foi raro entre nós: elogios à discrição, à dignidade, à simplicidade, ao rigor intelectual e ao ativismo solidário, coerente, conseqüente e inovador, dessa amiga que nos deixou.

Ruth nos lembrou a todos que as nossas melhores virtudes ainda existem, nela reunidas de modo exemplar. Ela morreu e, no entanto, vive na sua obra e nos afetos que cultivou. E, por isso, nós a sentimos tão presente.

Vive na sua família: lembro-me que a primeira vez que soube dela foi numa dedicatória de um livro do seu marido, o professor Fernando Henrique Cardoso, no começo dos anos sessenta: “À Ruth, laços fundamentais.” Os laços que eles souberam tão bem manter e ampliar entre todos os filhos e netos...

Eu não seria capaz de dizer aqui nada melhor de tudo o que foi dito. Por isso, prefiro lembrar um dos nossos melhores poetas, Manuel Bandeira. Aquele que se vai, mas vive além da morte, é o tema do poema que ele dedicou a Mário de Andrade quando perdeu o amigo. Permiti-me parafrasear seu texto, nesta que é mais uma das conversas que tenho com Ruth. Digo então à minha amiga:

Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: "Faz tempo que ela não escreve".
Irei até sua casa e ela não estará.
Imaginarei: está no sítio de Ibiúna,
está numa reunião na cidade Tiradentes, ou
no Rio, com seus netos.

Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua.
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Extraído
Blog Reinaldo Azevedo

quinta-feira, 26 de junho de 2008

São Paulo, finalmente, vira patrono da cidade de São Paulo

Poucos sabiam, mas desde 1782 Santa Ana era a padroeira oficial da capital paulista

Rodrigo Brancatelli

São Paulo, a cidade, ganhou esse nome justamente porque sua fundação ocorreu na mesma data em que se comemora a conversão do apóstolo Paulo de Tarso. São Paulo, o apóstolo dos gentios, é considerado uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo. Mas lições de história e de religião à parte, o que poucos sabem é que o papel de patrono da cidade nunca coube ao santo, mas sim à pouco lembrada Santa Ana, a padroeira da terceira idade e protetora dos marceneiros.

Tamanha injustiça foi consertada agora no começo de junho, depois de um pedido pessoal do cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer, ao papa Bento XVI. Às vésperas do Ano Paulino, que terá início no sábado para comemorar os 2 mil anos de Paulo de Tarso, a Cúria finalmente nomeou São Paulo como padroeiro oficial da arquidiocese paulistana e patrono da capital. "Sejamos sinceros, poucos sabiam que Santa Ana era a nossa padroeira, até mesmo pessoas da Igreja não tinham esse conhecimento", diz o padre Juarez Pedro de Castro, responsável pela comunicação da arquidiocese. "É como começar do zero, ninguém vai ficar bravo com essa mudança."

São Paulo de Tarso, também conhecido como Saulo pelos hebreus, foi figura primordial para a difusão do cristianismo entre os gentios (não-israelitas). É considerado uma das principais fontes da doutrina da Igreja - suas epístolas formam uma parte fundamental do Novo Testamento. Mas, apesar de toda a sua importância para a religião católica, o papa Pio VI não lembrou do seu nome ao escolher o patrono da cidade de São Paulo. Em documento de 31 de maio de 1782, que está guardado no Museu de Arte Sacra do Convento da Luz, o papa italiano nomeou Santa Ana para o cargo.

"Os portugueses sempre colocavam a figura de Santa Ana nas cidades que fundavam, como fizeram por aqui e em outros tantos lugares. Assim, o Vaticano acabou oficializando a santa como padroeira da cidade de São Paulo", conta o padre Juarez. "No ano passado, quando d. Odilo assumiu, ele queria celebrar o centenário da arquidiocese de uma maneira muito especial. E pediu para Roma nomear São Paulo, ao lado de Santa Ana, como patronos da nossa cidade. Roma não deixou dois patronos e São Paulo foi nomeado sozinho como novo patrono. Praticamente não muda nada, é algo simbólico. Queremos que São Paulo sirva agora de modelo e seja imitado pelos paulistanos."

AVÓ DE JESUS

Com a decisão de tirar o cargo de patrono de Santa Ana, quem não gostou lá muito dessa história foram os devotos da padroeira da terceira idade. "Que isso não seja encarado como um rebaixamento, a Santa Ana foi escolhida por Deus para ser mãe da virgem imaculada", diz Zilda de Almeida, de 55 anos, freqüentadora da Paróquia de Sant'ana, na zona norte da capital.

A história de Santa Ana, mãe da Virgem Maria e avó de Jesus, toma por base apenas relatos contidos em registros apócrifos e na tradição que vem dos primórdios da era cristã. Conta-se que Ana concebeu Maria ao orar ao Senhor, pois vivia um longo período estéril. "Religião não é uma competição, uma figura católica não pode ser mais importante do que a outra."

Estadão


quarta-feira, 25 de junho de 2008

AMIZADE DE LULA FOI DECISIVA PARA CONTRATAÇÃO DE TEIXEIRA

por João Domingos, no Estadão


A contratação, por empresas aéreas, do escritório de advocacia de Roberto Teixeira, amigo de três décadas e compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, coincide com a crise financeira da aviação, iniciada em 2001, quando a Transbrasil parou de voar, e se consolida no governo do PT, quando a Varig quase quebrou. No processo da Transbrasil, Teixeira conseguiu impedir que a Justiça decidisse pela falência da companhia e que a Infraero lhe tomasse os hangares.

Quando a crise atingiu a Varig, que tinha uma dívida de R$ 7 bilhões e em junho de 2005 entrou com processo de recuperação judicial, Teixeira se tornou o advogado ideal. Por três motivos óbvios: a experiência acumulada com a Transbrasil, a competência para esse tipo de causa e o fato de ser íntimo do presidente da República. Ninguém era dono de um currículo melhor e ninguém tiraria melhor proveito dessa situação.

Sua atuação na Justiça e nos bastidores foi decisiva para a venda da Varig à VarigLog, por US$ 24 milhões, em julho de 2006. E da VarigLog para a Gol, oito meses depois, por US$ 320 milhões. Para levantar as histórias das vendas da Varig, o Estado conversou com um ministro e um ex-ministro do presidente Lula, dois ex-dirigentes da Infraero e um procurador que atuou no caso.

Roberto Teixeira também foi procurado. Sua assessoria informou que ele não faria nenhum comentário sobre o assunto. Pediu para que fosse esclarecido somente que na questão das companhias aéreas Teixeira fez tudo com base nas regras dos tribunais e da atuação dos advogados e que nunca fez lobby.

Lobista é um qualificativo que ele não aceita, informou a assessoria do compadre de Lula - ele é padrinho de casamento de Luiz Cláudio, filho mais novo do presidente e de dona Marisa; Lula é padrinho de casamento de Valeska, filha de Teixeira e advogada atuante no caso Varig.

A crise da Varig teve início no dia 17 de junho de 2005, 11 dias depois de o presidente do PTB, ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), denunciar a existência do “mensalão” - escândalo que gerou uma CPI, derrubou as cúpulas de todos os partidos aliados do governo e destronou ministros como José Dirceu (Casa Civil) e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo).

Nenhuma das fontes ouvidas pelo Estado arriscou-se a dizer se o passo cadenciado e conjunto das duas crises teve influência nos maus humores do Palácio do Planalto e do presidente. O fato é que a anunciada queda da Varig torturou o primeiro governo de Lula quase tanto quanto o mensalão.

O medo diário no governo era de que os aviões da Varig parassem de voar e que a bomba caísse no colo do presidente. Nesse clima de paranóia, era comum ministros fazerem previsões catastróficas, com visões de incêndios de aviões e destruição de aeroportos pela turba descontrolada, conta um ex-auxiliar de Lula que participou de algumas dessas conversas. O Rio Grande do Sul todo pressionava Lula a salvar a Varig. E ele ouvia coisas assim: “Presidente, a Varig tem mais de 80 anos. Sua marca confunde-se com a bandeira do Brasil no exterior. Se morrer, morre um pedaço do Brasil”.

José Dirceu, então ministro da Casa Civil e principal alvo de Jefferson - foi apontado pelo Ministério Público Federal como o chefe do esquema do mensalão -, chegou a pedir o rascunho de uma Medida Provisória que estatizaria a Varig. Passou-a para o colega José Viegas, ministro da Defesa à época, que prometeu tocá-la. Um pequeno Boeing, desses que enfeitam as mesas das agências de turismo, chegou a ser pintado com as cores da nova, mas nunca criada empresa, cujo nome provisório era 'InfraeroAir'.

Mas, antes que Viegas concluísse o texto final do documento estatizante, ele se viu às voltas com denúncias de gastos excessivos na reforma de sua casa funcional, além de trombar com o Comando do Exército por causa de uma nota oficial da Força sobre tortura de presos políticos no regime militar (1964-1985). Foi demitido. O novo ministro da Defesa, José Alencar, não quis nem saber da MP da InfraeroAir. 'Sou empresário. Que o mercado se regularize', disse Alencar, sentado em cima da Medida Provisória.

O presidente Lula tomou posse no dia 1º de janeiro de 2003. Escolheu Viegas para ministro da Defesa. Para a Infraero levou Carlos Wilson (PE), que tinha disputado o Senado pelo PTB, mas fora derrotado - mais tarde, Wilson trocaria o PTB pelo PT. Assim que o governo petista teve início, Roberto Teixeira começou a apresentar à Defesa e à Infraero propostas de salvação da Transbrasil, todas mirabolantes. Uma delas, de venda da empresa para o coronel Muamar Kadafi, ditador da Líbia. Nada disso andou. A Transbrasil não voou mais, mas os recursos de Teixeira conseguiram impedir a falência.

Segundo depoimentos tomados pelo Estado, foi nessa época que Roberto Teixeira começou a apregoar que era amigo do presidente e as coisas deveriam sair do jeito que ele queria. Quem não colaborasse sofreria as conseqüências. De uma para outra a caixa de e-mails de Gilberto Carvalho, secretário particular de Lula, começou a entupir com mensagens de Teixeira fazendo queixa de alguns funcionários do governo.

Para piorar a situação dos servidores envolvidos com a questão aérea, no caso Varig o advogado destacou para acompanhar o processo sua filha Valeska, afilhada de Lula. Contam os servidores do governo que, sempre acompanhada pelo marido, Cristiano, ela dava chiliques e sapateava nas salas deles. Uma vez, Carlos Wilson, então no comando da Infraero, irritou-se com a conversa da advogada, foi embora e deixou Valeska e a sua ira sozinhas.

Pai e filha gabavam-se, para os funcionários, de ter muita influência junto ao presidente Lula. Comentando as denúncias da ex-diretora da Anac Denise Abreu contra Roberto Teixeira, Lula defendeu o compadre, três semanas atrás, e disse que a fala dela era um ato “abominável”.

No auge da crise da Varig, Lula costumava dizer a Carlos Wilson: “Fica tranqüilo. Não é com você. Querem atingir é o presidente”. Depois da entrevista de Denise Abreu ao Estado, no domingo, dia 8, revelando o que ela chamou de “pressões imorais” para salvar a Varig, o presidente, segundo um auxiliar, comentou: “Vão aumentar os ataques contra o Roberto Teixeira, porque querem atingir é a mim”.

A posse dos primeiros diretores da Anac ocorreu no dia 20 de março de 2006, no início da crise da Varig. Sete meses depois, houve o acidente com o Boeing da Gol e o jato executivo Legacy, quando morreram 154 pessoas. Dois meses e meio depois, a Anac concedeu autorização para que a Varig operasse. No dia seguinte, os sócios da Varig visitaram o presidente Lula. Três meses depois, a Varig foi vendida para a Gol.

Nenê Constantino e seu filho Constantino Jr., ao lado de Roberto Teixeira, visitaram Lula em seu gabinete, para comemorar a operação. O governo livrava-se, assim, do problema Varig, pois tudo havia sido intermediado pela Justiça do Rio de Janeiro.

No dia 17 de julho do ano passado caiu em Congonhas um Airbus 320 da TAM, quando morreram 199 pessoas. O então ministro da Defesa, Waldir Pires, foi substituído por Nelson Jobim. Denise Abreu, então diretoria da Anac, ficou.

Conta um auxiliar do presidente que Jobim foi a Lula e disse: “Presidente, temos de tirar toda essa diretoria da Anac. Lá, cada um é lobista de uma empresa aérea”. Lula teria respondido: “Mas a Dilma (Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil, que Denise Abreu acusa também de fazer pressão para a venda da Varig) já se cansou de tentar isso e ninguém saiu”. Jobim teria retrucado: “Deixa comigo. Eles não vão suportar”. Pouco depois, todos pediram demissão.

Antes, no entanto, o governo fez chegar aos diretores pressionados a promessa de que se saíssem teriam outros empregos. A Milton Zuanazzi, presidente que não tinha poder de decidir - as decisões eram tomadas pela diretoria, num colegiado -, foi prometido um cargo de direção da Embratur; a Leur Lomanto, um lugar de conselheiro do Tribunal de Contas da Bahia; a Denise Abreu, um bom cargo no governo federal, visto que havia renunciado ao de procuradora do Estado de São Paulo. Ninguém recebeu nada.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Inflação e comodismo

Terminou quase em festa a reunião ministerial convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quinta-feira, para discussão das pressões inflacionárias e das possíveis ações contra a alta de preços. Mas o presidente decidiu não tomar nenhuma nova medida, porque o governo, segundo se concluiu, já fez a sua parte. Além disso, o Brasil, de acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, é quase uma ilha de estabilidade no meio de um vasto oceano agitado pela inflação. Há pouco mais de 30 anos, o governo de então classificou o País como ilha de prosperidade durante a crise do petróleo. Poucos anos depois foi preciso, com profunda tristeza, rever a avaliação. Desta vez, pelo menos um órgão público, o Banco Central (BC), permanece mobilizado para enfrentar o perigo. Se a inflação for contida até o começo do próximo ano, será graças, portanto, à abominada política de juros altos. Será mais difícil e talvez mais custoso economicamente, mas esse é o caminho traçado, por enquanto.

O Brasil, como disse o ministro Mantega, é um dos poucos países com a inflação dentro da meta, isto é, dentro do intervalo de tolerância definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O mercado financeiro continua projetando uma inflação abaixo do limite, para o fim do ano e para 2008. As projeções, no entanto, pioraram nas últimas duas semanas e os índices de preços mostram um quadro cada vez mais desfavorável. Primeiro ponto importante: a situação só não é pior porque o BC percebeu mais cedo os sinais de perigo e começou a agir. Sua disposição, como ficou claro na última Ata do Copom, é continuar elevando os juros para conter a demanda.

Segundo ponto: ao contrário da tese exposta pelo ministro da Fazenda, o Executivo não tomou nenhuma iniciativa relevante para deter a onda inflacionária. O ministro mencionou a decisão de elevar de 3,8% para 4,3% do PIB a meta de superávit primário deste ano. Mas a decisão apenas consagrou uma situação de fato. O resultado obtido até abril já estava muito próximo desse "novo" objetivo, não por causa de uma política austera, mas, basicamente, como conseqüência da elevação da receita.

O superávit primário obtido até agora não foi suficiente para conter a expansão da demanda. O governo continua gastando muito e ainda não há sinais importantes de arrefecimento do consumo. O aumento do IOF cobrado nos empréstimos a pessoas físicas não afetou a tendência. Serviu para engordar a receita do Tesouro. Para isso o governo elevou o imposto no começo do ano, e não para conter a demanda. O objetivo era compensar, em parte, a extinção da CPMF, mas o ministro parece haver esquecido esse detalhe.

Em sua alegre exposição, o ministro da Fazenda insistiu na tese de uma inflação quase limitada aos preços de alimentos. Os fatos continuam desmentindo, e cada vez mais claramente, esse ponto de vista. Os maiores aumentos, é verdade, têm ocorrido nos preços da comida, mas a onda inflacionária já se espalha pela maior parte dos componentes dos índices de preços. Já não se trata de inflação localizada, até porque o encarecimento das matérias-primas - alimentos, derivados de petróleo e metais - tende a contaminar todos os setores da economia. A primeira providência, portanto, deve ser a contenção da demanda para limitação de repasses.

O estímulo à produção agrícola, prometido pelo governo, será uma providência bem-vinda. Mas uma boa política de financiamento e de preços mínimos seria necessária mesmo sem as pressões inflacionárias de hoje. A boa oferta de alimentos é condição permanente de estabilidade de preços. Além disso, é fator indispensável à segurança das contas externas. Sem uma boa safra na temporada 2008-2009, a situação brasileira se agravará. Mas uma boa safra no Brasil, desejada por todos, será insuficiente para inverter a tendência dos preços internacionais, se confirmadas as perdas estimadas nos EUA.

O governo poderia sem grande sacrifício elevar para 4,8% do PIB a meta de superávit primário. Isso tornaria mais segura e mais fácil a política antiinflacionária. Falta o presidente admitir essa obviedade.

Estadão
22 de junho de 2.008

quinta-feira, 19 de junho de 2008

A lenda do pulmão amazônico

Imagine só: a Amazônia não é o “pulmão do mundo”, como todo mundo diz. A floresta, na verdade, consome praticamente todo o oxigênio que produz. E mesmo se não o fizesse, a quantidade de oxigênio que lança na atmosfera por meio da fotossíntese é absolutamente irrisória na escala planetária. Não faz nenhuma diferença para nós.

Na verdade, praticamente todo o oxigênio que nós respiramos hoje foi produzido alguns bilhões de anos atrás, por uma combinação de processos biológicos e geológicos. Há várias teorias que tentam explicar exatamente como e quando isso aconteceu, mas não seria o caso de entrar nos detalhes aqui. O fato é que o oxigênio que está na atmosfera hoje não está sendo produzido agora - ele já existe há muito tempo.

Cerca de 21% da atmosfera é composta de oxigênio (O2) e apenas 0,04% de dióxido de carbono (CO2). O que as plantas e cianobactérias fazem com a fotossíntese é “consumir” CO2 e expelir O2, enquanto nós, animais, fazemos o contrário com a respiração: consumimos oxigênio e expelimos dióxido de carbono. Tanto que, se você fechar um monte de gente num quartinho sem ventilação, no fim o oxigênio acaba e morre todo mundo.

Desse modo, parece óbvio pensar que, se não fossem as plantas, o oxigênio do planeta acabaria e morreríamos todos. Mas, felizmente, a Terra não é um quartinho fechado. A quantidade de oxigênio na atmosfera hoje é tão grande e a de CO2, tão pequena, que todas as plantas do mundo poderiam parar de fazer fotossíntese neste momento e você não sentiria a menor diferença.

“Mesmo se você transformasse todo o CO2 em O2, a concentração de oxigênio na atmosfera não mudaria quase nada”, explica o físico e meteorologista Antonio Manzi, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “A quantidade de oxigênio hoje é praticamente estável.”

Outro detalhe importante que costuma passar despercebido é que as plantas só fazem fotossíntese de dia, quando há luz do sol. De noite, quando as luzes se apagam, elas fazem sabem o que? Respiram oxigênio, igualzinho à gente!

Aliás, elas respiram também durante o dia, ao mesmo tempo que fazem fotossíntese, segundo me explicou o biólogo Carlos Joly, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na prática, pode-se dizer que as plantas se alimentam de luz, usando a radiação solar para produzir carboidratos. Mas o processo que elas usam para metabolizar esse alimento e gerar a energia de que suas células precisam para funcionar é o mesmo que nós: a respiração.

Resumindo: a Amazônia pode virar um estacionamento amanhã que ninguém vai morrer sufocado por falta de oxigênio. Tudo que a floresta produz, ela também consome. Temos milhões de razões para preservar a Amazônia, mas produção de oxigênio para o ser humano, definitivamente, não é uma delas.

Eis aqui uma boa razão: Segundo Manzi, a Amazônia guarda, embutida na sua vegetação, uma quantidade de carbono equivalente a pelo menos dez vezes o que o mundo todo lança na atmosfera em um ano. Se a floresta fosse inteira queimada hoje, seria como explodir uma bomba atômica de carbono. As conseqüências para o clima seriam catastróficas. (Apesar do CO2 ser apenas 0,04% da atmosfera, um pequeno incremento dessa concentração pode surtir efeitos graves sobre o planeta - o que é a base de toda a problemática do aquecimento global.)

Sem falar nas dezenas de milhares de espécies que seriam extintas, em todos os recursos genéticos e biológicos que seriam perdidos e no total colapso ambiental, social, cultural e econômico que a perda da floresta acarretaria para a América do Sul. Temos justificativas suficientes para preservar a Amazônia, sem precisar vender essa propaganda enganosa do “pulmão do mundo”.

Pense nisso a próxima vez que falarem sobre a floresta.

Estadão

12 de junho de 2.008


segunda-feira, 16 de junho de 2008

O calvário de um ídolo cubano

O boxeador Guillermo Rigondeaux, que tentou fugir no Pan do Rio, em 2007, passa por dias difíceis na Ilha

Claudio Mafra, HAVANA

"Senhoooras e Senhooores!

O pugilista três vezes campeão mundial juvenil!! Duas vezes campeão pan-americano! Medalha de ouro nas Olimpíadas de Sydney e Atenas! Duas vezes campeão mundial! Com 475

vitórias e apenas 12 derrotas! Considerado o maior boxeador do mundo! Com 27 anos de idade, o famoso e infeliz...,

Guilhermo Ri-gon-deaux !"


Bem, aqui está ele. Óculos escuros, boné enterrado na cabeça, assustado, mal vestido, olhando para os lados para ver se foi seguido. É difícil acreditar que estou diante de um dos maiores esportistas de todo o globo. Entre Guillermo Rigondeaux e uma vida de milionário - que seria a recompensa por seu talento - estão duzentos quilômetros de água salgada. Se estivesse fora de Cuba, poderia ganhar milhões de dólares. Seria disputado pelos patrocinadores, seria adulado, teria uma vida de luxo, Ferraris, publicidade, tudo que o dinheiro pode comprar. Uma celebritie, e no entanto vai receber 120 dólares para me dar uma entrevista.

Apenas um pobre rapaz.

Durante os últimos Jogos Pan-Americanos, no Rio, em julho do ano passado, Rigondeaux e seu companheiro Erislandy Lara tentaram fugir, abandonando a delegação cubana, seduzidos pelos contratos que poderiam assinar em outros países. O que se passou é nebuloso, mas o fato é que os dois foram despachados de volta para Cuba com tanta pressa que se comenta ter sido um favor especial do presidente Lula para Fidel.

Claro que em nossa entrevista é impossível Rigondeaux dizer a verdade. De fato, ele é um prisioneiro domiciliar. Limita-se a repetir o que saiu publicado no Granma, o ridículo jornaleco oficial do regime. Fico ouvindo. Enquanto fala, olho para ele e sinto pena. Uma história completamente sem pé nem cabeça, onde o tamanho do seu desprezo pelo dinheiro só é igualado pelo seu patriotismo. E as propostas que recebeu de um empresário? "Mentira da imprensa. Sempre existem propostas e nunca aceitei nenhuma. Eu já estive em muitos países e poderia ter fugido antes."

Algumas coisas que ele diz são interessantes: "Se eu tivesse feito o que vocês escreveram nos jornais e depois tivesse voltado para Cuba eu teria sido fuzilado", afirmou. "A delegação voltou mais cedo porque havia alguns que estavam desertando." (É verdade, dois já haviam fugido, e Fidel, com medo de que outros fossem embora, ordenou que os seus escravos-atletas voltassem antes da festa de encerramento). Rigondeaux também não sabe onde está Lara: "É bom para mim e para ele não nos encontrar-nos." É tão simplório, que não seria correto tentar pegá-lo em alguma contradição. É melhor deixá-lo em paz.

O fato é que nunca mais poderá deixar a Ilha. "El Comandante" é vingativo, e Rigondeaux vai pagar caro pelo que fez no Brasil. Vai envelhecer em Cuba, sem nunca mais competir. Esse é o seu destino e ele que dê graças a Deus por não estar dentro de uma prisão. (Talvez deva dar graças a Lula também).

Chegou a hora das fotografias. Peço para que tire o boné e os óculos. Ele hesita, mas concorda. É reconhecido imediatamente. Três pessoas vêm apertar sua mão. Esquece o medo e fica muito satisfeito. Pelo menos tem a admiração do seus compatriotas. Eu, o fotógrafo, junto com o antigo campeão mundial dos pesos médios-ligeiros de 1965 Félix Betancourt, que foi quem me conseguiu o contato com ele. Por essa ajuda eu dei 70 dólares para o grande Felix, "A Pantera do Oriente", o pugilista que foi o favorito de Fidel, e que aos 60 anos de idade está na miséria.

Entre muitas de suas recordações está uma foto com o comandante, os dois muito jovens, ele pronto para entrar no ringue, magnífica figura. Bons tempos. No táxi eu disse a Félix que ele estava magro demais, e sua resposta foi que se mantinha em forma, que ainda treinava. Bastou ele descer, que o motorista disse com ironia: "Que treino que nada... Ele está é passando fome."

O povo cubano conhece muito bem a história dos seus antigos ídolos, o tratamento indigno que recebem do regime, onde os pugilistas idosos são abandonados. Quando deixam os ringues, por não saberem fazer mais nada além de lutar, são colocados de lado, ganham uma pensão miserável. Sua luta passa a ser a sobrevivência diária.

Caminhamos por uma rua mais discreta e eu aproveito para pagar Rigondeaux. Então ele chega ao fundo do poço: Me pergunta se não gostaria de "chicas". Essa não. O maior pugilista do mundo está me oferecendo prostitutas. O que mais posso dizer?

O telefone toca no quarto do hotel e dizem, em tom imperativo, que são da Inmigracion, que é para eu descer porque querem falar comigo no lobby. Claro, chegou a vez da repressão. Até agora estive livre feito um passarinho, fazendo e acontecendo, mas chegou a vez de pagar a conta. Minha primeira providência é a de rasgar rapidamente os papéis que comprometem o jornalista meu amigo, Jose Barrios (nome fictício). Por intermédio dele cheguei até aos boxeadores. Sinto pena de ficar sem alguns documentos interessantes, mas é imprudência conservá-los, e impossível escondê-los. De uma hora para a outra podem entrar no meu quarto e revistar tudo. Coloco o papel picado no saco que a arrumadeira deixou no corredor. Conservo somente a capa da revista Enepece, editada pelos refugiados de Miami, onde aparece a cara sorridente do presidente Raúl vestido de chinês, com o título "La China que nos Espera". Quero levá-la para ver se o jornal publica a foto. É hilária. Para se entender é preciso saber que Raúl Castro tem o apelido de "China", uma dupla alusão aos olhos puxados e ao fato de ser considerado gay.

Chegando ao lobby, dois militares me fazem algumas perguntas e recebo um papel no qual sou intimado por um tenente-coronel para ir depor às 9 horas do dia seguinte no Departamento de Imigração. Telefonei para o Estado e avisei que se não desse notícias em 48 horas seria uma boa idéia ligar para a embaixada brasileira. A segunda providência foi procurar Barrios naquela noite e contar tudo. Ficou com medo de ser preso. Não quer de maneira alguma que eu conserve a revista com a cara do Raul. Procuro tranqüilizá-lo dizendo que de mim não vão saber nenhuma palavra sobre ele. Não vou dizer um único nome. Se engrossarem chamo a embaixada.

Barrios sabe que vou para Miami de veleiro e, pela segunda vez, e de maneira dramática, pede para ir comigo. O que posso dizer para uma pessoa desesperada para escapar da ilha? O barco não é meu, e, sem motor, a viagem é muito demorada, 30 horas. Seria sorte demais conseguir iludir os cubanos, e depois ainda teríamos a Guarda Costeira americana. Não é possível.

É muito comum os cubanos escaparem em barcos, mas estes são superpotentes, vêm de Miami ao preço de 10 mil dólares, atracam em algum ponto da ilha e partem em extrema velocidade para outro país, ou mesmo para os Estados Unidos. O problema são os jovens, os meninos, aqueles que não têm nada a perder, e que percebendo os preparativos de fuga dos que contrataram a empreitada ficam esperando escondidos. Quando o barco chega tentam embarcar à força. Muitas vezes se atiram na água, e arriscam a vida de tal modo que não existe outra alternativa a não ser levá-los também.

Pela manhã, chegando na Inmigracion, já não gostei da primeira pergunta do capitão. Olhando para a rua, e fechando a porta atrás de mim ele diz: "O senhor deixou o táxi esperando?" Mau sinal, será que está querendo dizer que sou muito otimista? Começa um interrogatório onde querem ser durões mas ao mesmo tempo educados. Eu me recuso a dar os nomes dos que me levaram a Rigondeaux. Digo que se eles têm seus informantes, eu também tenho os meus, só que os jornalistas chamam de "fontes", e que são sagradas. Antes que se irritem ainda mais, eu digo inocentemente que naquele caso tinha sido o jornal. O jornal? Sim, senhores. "O jornal pediu o endereço para a Polícia Federal. No Brasil foi um escândalo, os senhores não sabem?" É péssimo para eles, ouvirem esse "escândalo no Brasil" (percebe-se, na hora, que se sentem inferiorizados, estão sozinhos no mundo, ninguém aprova o que fazem - "um escândalo!"). Resolvem partir para outra coisa: "Mas o senhor disse no seu boleto de entrada em Cuba que veio para turismo. Como é que foi fazer entrevistas?" Novamente eu entro com o jornal salvador: "O jornal me ligou e disse que já que eu estava em Cuba, que tal aproveitar e fazer uma entrevista ?" (O nome Guilhermo Rigondeaux não é mencionado uma única vez no interrogatório ).

E por aí vamos, eles insistindo em que estou me metendo em assuntos internos cubanos. Mas os tempos são de "cambio" (abertura), é bom não exagerar, e resolvem encerrar o interrogatório. Passar bem, obrigado, e em férias não faça mais entrevistas.

Tudo levou pouco mais de uma hora.

Os cubanos assistem aos canais a cabo de Miami. É uma festa porque ficam sabendo de tudo o que o governo esconde e nega. Claro que é ilegal, mas todo mundo tem. Os que podem, pagam 10 dólares por mês pelo decodificador, e os outros fazem "gato". De vez em quando a polícia providencia "batidas", mas quando invade as casas os aparelhos já foram recolhidos. Dizem os cubanos que gente do próprio governo avisa quando a polícia vai entrar em ação. Afinal, todos têm filhos e filhas que querem assistir aos programas. O canal preferido é o 23, no qual se apresenta Maria Elvira, que mete o pau nos comandantes. Grande sucesso. Existem outros, os 51, 41 e o 69, que mostram aos cubanos a vida nos países livres, a vida que eles perdem enquanto o tempo passa.

A bonita moça da tabacaria está fazendo 24 anos e me diz que conta nos dedos os seus dias em Cuba. Tem medo de perder toda a sua mocidade sem conhecer o mundo.

Os canais cubanos só falam de política, são uma chatice. Todo o tempo é "revolución", "la consciência del momento histórico" e as baboseiras do comandante en jefe, que depois que deixou o governo começou a publicar "reflexiones" como se fosse um extraordinário pensador.

E os meus amigos cubanos já podem me esperar sentados no lobby do hotel! Antes ficavam em pé, do lado de fora, e me chamavam quando davam sorte de me ver. São as mudanças de Raúl. Também podem comprar aparelho de DVD (quando tiverem dinheiro) e aí, sim, vão deitar e rolar com os DVDs piratas, gravados do canal 23 de Miami, o que vai decuplicar as informações "contra-revolucionárias". É um perigo quando se começa a abrir um regime...

Paro no meio da rua para ver alguns meninos pequenos brincando. De repente a bolinha chega para o meu lado e correndo para pegá-la vem junto o menor dos garotos. Deve ter uns 7 anos. Olho muito sério para ele e pergunto bem alto: "Você é contra-revolucionário?!" O menino fica pasmo, os olhos muito abertos, e a voz sai bem fininha, bem baixinha: "Patria o muerte." Muito bem, o coitadinho deu a senha do seu patriotismo. Digo que é brincadeira, fico arrependido, passo a mão em sua cabeça e dou uma propina bem grande para compensar o susto.

O jornal El Nuevo Herald, de Miami, publicou que a judoca cubana Yurisel Labordie, que estava participando do Campeonato Pan-Americano de Judô, em maio, nessa cidade, também fugiu. Laordie era uma medalha certa na Olimpíada de Pequim. É bicampeã mundial (2005 e 2007). Mais uma que trocou a doce pátria pelos prazeres capitalistas.

De regresso ao Brasil, fiquei sabendo que Guillermo Rigondeaux foi chamado pela Polícia Política por causa de sua entrevista. Ele se defendeu dizendo que havia apenas repetido o que o Granma havia publicado. Foi advertido para deixar de ser bobo, que todos jornalistas mentem, e que nunca mais conversasse com a imprensa. Sua resposta foi a de que "esse jornalista não, ele não vai mentir". Agradeço a Rigondeaux por essas palavras, sinto por não haver acreditado em sua versão do fato, mas espero que no texto tenha ficado claro que realmente ele foi coerente com o que havia dito ao Granma.

Estadão


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