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quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Escalada de violência na Bolívia

Há duas semanas, grupos que se opõem a Evo Morales bloqueiam estradas e ocupam prédios públicos. Chegaram a impedir que o helicóptero que transportava o presidente da Bolívia pousasse em várias cidades que ele pretendia visitar. Na segunda-feira, ocuparam os postos de alfândega e imigração nas fronteiras com o Brasil e a Argentina e tomaram vários escritórios da empresa estatal de petróleo e coletorias federais. Ontem, sabotaram gasodutos, provocando a interrupção parcial do fornecimento do combustível para o Brasil e total para a Argentina.

Nos cinco Departamentos (Estados) da “meia-lua” - Santa Cruz, Beni, Pando, Tarija e Chuquisaca - pratica-se o que chamam de “desobediência civil”, mas já assume ares de franca e violenta rebeldia contra o governo central. Foi essa a resposta do Conselho Nacional Democrático, que reúne as autoridades regionais e os dirigentes cívicos dos cinco Departamentos, ao decreto baixado pelo presidente Evo Morales, no final de agosto, convocando para o dia 7 de dezembro referendos para a aprovação da nova Constituição e para a substituição de dois governadores que foram destituídos no referendo de 10 de agosto.

Evo Morales interpretou mal os resultados daquela consulta popular. Com seu mandato confirmado por cerca de 67% dos eleitores, entendeu isso como um sinal de que a maioria da população apóia as drásticas mudanças institucionais que ele pretende fazer, dando autonomia aos povos indígenas - mas não aos Departamentos -, ampliando a intervenção do Estado na economia, instituindo a reeleição para a presidência e criando conselhos comunais que se sobrepõem aos sistemas legislativo e judiciário tradicionais.

Sentindo-se politicamente forte, repetiu o que fizera quando definiu a forma de aprovação da nova Constituição, votada num quartel, sem a presença da oposição: atropelou a Constituição e as leis vigentes. Em primeiro lugar, porque a Constituição determina que referendos só podem ser convocados pela Assembléia; em segundo, porque, por lei, só pode haver um referendo no ano e este já fora realizado.

Os governos dos seis dos nove Departamentos que se opõem a Evo Morales reagiram imediatamente, anunciando que em seus territórios não será realizado o referendo convocado pelo presidente. Como o Estado de Direito é uma ficção na Bolívia - os governadores de Beni, Pando, Tarija e Santa Cruz, por exemplo, realizaram referendos sobre a autonomia departamental ao arrepio da lei -, ninguém pensou em recorrer à Corte Suprema ou ao Tribunal Nacional Eleitoral. Os dirigentes do Conselho Nacional Democrático decidiram apoiar a decisão dos governadores da “meia-lua” e mobilizar a “resistência cívica”.

O presidente Evo Morales - que havia reconhecido que o decreto de convocação do referendo de dezembro, se não era legal, era legítimo - retaliou à sua maneira. Cortou os repasses aos Departamentos da parte que lhes cabe das receitas dos hidrocarbonetos. Esse “castigo” afetou as finanças tanto dos Departamentos produtores de petróleo e gás como dos mais pobres. Segundo as autoridades de Beni, por exemplo, na semana passada o Tesouro local não dispunha de mais de 20 mil bolivianos para atender a seus compromissos financeiros.

A sabotagem nos gasodutos e a ocupação das aduanas, dos escritórios da YPFB e das coletorias foram a resposta dos movimentos cívicos.

Nos últimos dois anos, na Bolívia não há lei a respeitar nem instituições que funcionem regularmente. O país está à mercê do arbítrio de um presidente que insiste em instituir uma forma de governo sui generis, baseado numa ideologia nacional-indigenista anacrônica e irresponsável, e um regime autoritário, à semelhança do que seu mentor Hugo Chávez vem praticando na Venezuela.

A oposição, por sua vez, não tendo instituições às quais apelar, está compreensivelmente reagindo nos termos em que Evo Morales colocou a disputa: com atos de arbítrio, a mobilização dos movimentos cívicos e políticas de fatos consumados.

A escalada é crescente, sem que haja, de parte a parte, disposição para negociar soluções de compromisso. O impasse caminha para um desfecho violento.

Estadão

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