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sexta-feira, 30 de maio de 2008

Ulysses foi o senhor das Diretas-Já, diz FHC; leia entrevista

29 de maio de 2.008

WANDERLEY PREITE SOBRINHO
colaboração para Folha Online

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse que o deputado Ulysses Guimarães --morto em 1992 em um acidente de helicóptero-- foi o "senhor do movimento Diretas-Já". "Ninguém discutia o que ele dizia. Ele era o grande senhor das ruas. Foi o senhor das Diretas-Já, da pregação consistente e persistente", disse FHC

Para FHC, Ulysses não podia ser o candidato da oposição no colégio eleitoral de 15 de janeiro de 1985, que escolheu o presidente da República, por conta da relação com os militares. "O Ulysses não podia ser nosso candidato exatamente porque ele era a principal figura da oposição. Ele era muito querido nas ruas. Mas para disputar contra os militares seria mais fácil o Tancredo [Neves] porque ele era uma das lideranças na oposição com maior trânsito entre os militares. Ele não tinha brigado tanto e com tanta gente como o Ulysses.

Leia abaixo a íntegra da entrevista de FHC para a Folha Online:

Folha Online - Por que os comícios pelas Diretas-Já demoraram tanto para acontecer?

Fernando Henrique Cardoso - Apesar do fim dos Atos [Institucionais], a repressão e o clima de tensão não desapareceram de uma hora pra outra. Havia muitos presos políticos, a imprensa ainda estava muito controlada e com medo de se colocar contra o governo. O fim dos Atos não criou automaticamente um clima de liberdade.

Folha Online - A mobilização foi acontecendo devagar?

FHC - Sim. Nós estávamos tentando reacomodar as forças políticas. Eu estive envolvido com o Lula, com o Plínio Sampaio [ex-MDB, ex-PT e hoje filiado ao PSOL] na conjunção de uma esquerda democrática balizada no MDB e no sindicalismo. Mas eles preferiram fundar o PT. Para mim era melhor fortalecer o MDB porque nele estava concentrado um bloco de várias tendências democráticas. Era preciso unidade porque ainda havia muita dificuldade em mobilizar as pessoas em torno de uma ação comum.

Folha Online - Quando essa mobilização começou a dar resultado?

FHC - Foi a partir de 1982 com as eleições para governador. Grandes lideranças democráticas ganharam as eleições, como Tancredo Neves, em Minas Gerais, e Franco Monto, em São Paulo. A partir de então, o clima mudou. Era natural o desejo de eleger um presidente da República pelo voto direto.

Folha Online - E o primeiro comício importante pelas Diretas aconteceu na praça Charles Miller?

FHC - Na verdade não. Esse foi um comício pequeno organizado pelo PT. Foi mais uma manifestação do partido do que da sociedade. Todo mundo que não era do PT tinha medo de participar dos comícios organizados por eles e acabar vaiado. Mesmo assim, eu fui ao da Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, representando o PMDB. Eu só não levei uma vaia tremenda porque, assim que cheguei, anunciei a morte do Teotônio Vilela, [um dos principais representantes da luta pela democracia]. Então o clima mudou imediatamente.

Folha Online - Então qual foi o comício que marcou o início do movimento?

FHC - Sem dúvida foi o primeiro na praça da Sé, dia 25 de janeiro, no aniversário de São Paulo. Foi o Franco Montoro que tomou a decisão de fazer aquele comício. Eu era presidente da seção do PMDB em São Paulo quando reuni membros do partido na casa da então deputada Ruth Escobar. Ela, que era da executiva do partido, desaconselhou o comício porque acreditava que ninguém compareceria e que poderia haver repressão. Quando Montoro foi comunicado, ficou fora de si. Eu me lembro que eu estava com Ulysses Guimarães na minha casa de campo, em Ibiúna, quando o general Figueiredo apareceu na televisão dizendo que as Diretas eram pura subversão. Aquela palavra era um tabu na época. Mesmo assim, Montoro não recuou, ele dificilmente desistia de algo em que acreditava. Então fizemos o comício. Antes de eu chegar, me ligaram dizendo que a praça estava sendo inundada de gente. Ninguém esperava tanto. Os alto-falantes não eram suficientes para chegar à multidão que tomou a praça. Foi quando a imprensa começou a divulgar o movimento.

Folha Online - O senhor não temia algum tipo de repressão nesses primeiros comícios?

FHC - A gente estava tranqüilo porque o Montoro era o governador do Estado e a polícia estava em nossas mãos. E São Paulo foi, de longe, o principal palco das Diretas.

Folha Online - O que fez de São Paulo o protagonista nas Diretas?

FHC - Montoro, que foi um dos principais líderes do movimento, era o governador de São Paulo. Mas o Estado também era a principal potência econômica, havia o movimento sindical no ABC e a atuação da imprensa, cuja concentração há tempos era maior em São Paulo. No Rio, a repercussão das Diretas foi grande, mas não dá para comparar.

Folha Online - Não houve tensão entre os diferentes partidos que organizavam os comícios?

FHC - Havia tensão porque, em dado momento, cada partido começou a pensar na parte que lhe caberia do poder quando a democracia chegasse. Foi quando o Leonel Brizola, que tentava recriar o PTB, até me convidou para ir com ele. Nesse período, o PMDB também começou a se desmembrar e a sofrer ataques por parte dos partidos que nasciam.

Folha Online - A grande bandeira das Diretas era a emenda Dante de Oliveira, que instituía eleições direita para presidente. Os parlamentares acreditavam mesmo que ela poderia ser aprovada?

FHC - A gente acreditava na viabilidade da emenda porque durante uma viagem do general Figueiredo para a Espanha ele disse a um deputado que era a favor das Diretas.
Houve muito esforço de todas as partes, e o PMDB era maioria no Congresso. Se o projeto passasse na Câmara, ele iria para o Senado. Fui eu que, representando o Senado, fiz o discurso em favor da emenda. O discurso contrário foi feito pelo deputado Nelson Marchesan, que sempre foi um excelente orador.

Folha Online - E como a oposição recebeu a derrota?

FHC - Nós ganhamos na Câmara, mas não conseguimos os dois terços necessários, então o Senado nem chegou a votar a emenda. Nós nos empenhamos muito, jogamos para ganhar. Quando perdemos, o Tancredo Neves chegou a dizer em público que já previa o resultado. Mas era conversa. Todos acreditávamos na viabilidade da emenda. A verdade é que foi um grande choque. Depois do resultado, cantamos o Hino Nacional, teve gritaria. Aí começou a dúvida nos partidos sobre o que deveríamos fazer a partir de então.

Folha Online - E qual foi a discussão?

FHC - Eu fui para a tribuna do Senado fazer um discurso defendendo a indicação de um candidato nosso para eleger o presidente no colégio eleitoral. Eu tinha certeza de que os militares ganhariam se não bancássemos um candidato e fizéssemos campanha por ele dentro e fora do Congresso. O PT foi contra essa idéia e começou a dizer que nós, do PMDB, sempre quisemos o voto indireto. Mas não era nada disso: a emenda pelas Diretas não havia passado e tínhamos de fazer o que estava ao nosso alcance para não dar mais um o mandato aos militares.

Folha Online - E por que o escolhido foi o Tancredo Neves e não o Ulysses, que era a principal figura das Diretas?

FHC - O Ulysses não podia ser nosso candidato exatamente porque ele era a principal figura da oposição. Ele era muito querido nas ruas, mas, para disputar contra os militares, seria mais fácil o Tancredo porque ele era uma das lideranças na oposição com maior trânsito entre os militares. Ele não tinha brigado tanto e com tanta gente como o Ulysses.

Folha Online - Como o senhor definiria a atuação de Ulysses Guimarães?

FHC - Ulysses era o chefe indiscutido das oposições. Ele tinha todo o partido na mão. Era muito respeitado em razão de uma coragem, que não tinha paralelo. Ele foi o anticandidato de 1973 e era responsável pelos discursos mais contundentes. Ulysses não falava sobre problemas sociais ou econômicos. Sua especialidade eram as questões institucionais, e não havia momento melhor para se falar no tema do que aquele. Ninguém discutia o que ele dizia. Ele era o grande senhor das ruas. Senhor das Diretas, da pregação consistente e persistente.

Folha Online - Além da emenda, o que o senhor acha que contribui para eclodir as Diretas-Já?

FHC - Foi a opinião pública que mudou os fatos. A atuação da imprensa livre motivou a população a participar do movimento pelas Diretas. Mas a popularidade do regime já estava em baixa desde o choque do petróleo em 1973, que afetou a nossa economia. No começo dos anos 1980, a inflação também preocupava. O clima foi mudando aos poucos, mas sem a liberdade de imprensa e a atuação dos grandes líderes do movimento, como Montoro e Ulysses, o movimento não teria sido o mesmo.

Folha Online - Sem as Diretas, quando o senhor acha que o Brasil voltaria à normalidade democrática?

FHC - Sem as Diretas, os militares teriam ganhado no colégio eleitoral e a ditadura permaneceria por mais seis anos. Seria um desastre.

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