Postagens populares

domingo, 11 de maio de 2008

Terceiro choque do petróleo já ameaça a economia mundial

Brasil enfrenta riscos com a disparada dos preços, mas situação do País é mais confortável hoje graças ao álcool

Leandro Modé

A escalada dos preços do petróleo já leva muitos analistas a considerar factível uma hipótese que algum tempo atrás pareceria risível: que o mundo esteja caminhando para um terceiro choque da commodity. Seu impacto na economia global não seria tão forte como na década de 1970, quando ocorreram os dois choques anteriores. Mas uma redução no ritmo de crescimento é dada como certa. Se serve de consolo, o Brasil, segundo especialistas, está melhor preparado para enfrentar o cenário de águas turbulentas.

Na semana passada, o barril do tipo leve (WTI) para entrega em junho bateu recorde todos os dias na Bolsa Mercantil de Nova York (Nymex, na sigla em inglês). Ao final da sexta-feira, valia US$ 125,96, o maior valor da história, mesmo em termos reais, ou seja, descontada a inflação. A alta na semana foi de 8,3%. Em 2008, chega a 33% e, nos últimos 12 meses, a 81%.

Já há até quem diga que a disparada pode ir mais longe. Na terça-feira, um relatório do Banco Goldman Sachs chacoalhou o mercado ao prever que a cotação pode bater nos US$ 200. "A chance de um barril entre US$ 150 e US$ 200 nos próximos 6 a 24 meses parece estar aumentando", afirmou um texto assinado pela equipe de analistas de petróleo. Os investidores prestaram atenção ao alarme porque esse mesmo time publicou um relatório em 2005 segundo o qual as cotações podiam alcançar US$ 105 nos anos seguintes - o que ocorreu.

"Se estamos ou não vivendo o terceiro choque do petróleo depende da forma como conceituamos esse movimento", pondera o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE), Adriano Pires. " Se considerarmos que em 1973 e 1979 os preços dispararam de um dia para o outro por causa da falta de oferta, a resposta é não", diz. "Mas, se interpretarmos esse nível de preço como conseqüência de oferta reprimida e da falta de novos investimentos em produção, seria um choque parecido com o de 1979."

Ministro da Fazenda na época do primeiro choque, o professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e ex-deputado federal, Delfim Netto é menos cauteloso. "Provavelmente, sim", diz, em resposta à questão sobre o terceiro choque.

Em uma economia global que já sofre os efeitos da recessão nos Estados Unidos e da desaceleração na Europa e no Japão, a disparada do petróleo é uma má notícia. No entanto, os especialistas não acreditam em crises mundiais como as que se sucederam aos choques das décadas de 70. "Haverá alguma desaceleração, mas nada dramático", avalia o professor da USP Simão Silber. "O mundo, que estava crescendo na faixa de 5% ao ano, vai se expandir 3,5%."

O recuo deve-se ao provável aumento das taxas de juros globais, como, aliás, já ocorreu no Chile e Austrália, entre outros países. Em todos, a inflação subiu, em parte por causa dos preços da energia. "É a resposta clássica quando os preços aceleram", diz Marcelo Moura, professor do Ibmec São Paulo.

O Brasil hoje está em situação totalmente distinta se comparado aos anos 70: tem reservas próximas de US$ 200 bilhões e é quase auto-suficiente na produção de petróleo, entre outras vantagens. Em compensação, como é mais integrado ao resto do mundo, também deve diminuir o ritmo de expansão.

Estadão

Grau de confiança, grau de respeito

Pedro S. Malan

A dois extraordinários intelectuais do século 20 foi perguntado que lição essencial de vida dariam aos jovens. A resposta de Norberto Bobbio: "Respeitar as idéias alheias, deter-se diante do segredo de cada consciência, compreender antes de discutir e discutir antes de condenar." A resposta de Raymond Aron foi mais sucinta, mas complementar e não menos relevante: "Respeitar os fatos, respeitar os outros, dar-se ao respeito." Conheço bem uma senhora, prestes a completar seus 90 anos, que desde cedo procurou transmitir aos filhos valores semelhantes.

Por que essas coisas do século passado me vêm à mente com freqüência neste nosso Brasil de 2008? Talvez porque não as considere coisas superadas, preocupações de intelectuais ou de velhas senhoras, tampouco ideais inalcançáveis na dura vida real. Talvez porque esteja preocupado com um grau que me parece um tanto excessivo de complacência, relativismo moral, ceticismo e cinismo sobre a vida pública e o mundo da política em geral. Talvez porque ache que há um relativo descompasso entre a evolução da economia ao longo dos últimos 15 anos e a evolução de nossos partidos políticos, aí incluído seu pensar sobre o País e seu futuro.

É verdade que estamos em maio de 2008 - e procurando olhar o caminho à frente e o muito que há por fazer. Mas me permita o leitor uma breve volta ao passado, na linha do respeito aos fatos. Em maio de 1993, exatos 15 anos atrás, Fernando Henrique Cardoso assumiu o Ministério da Fazenda. Foi o quarto titular da pasta no governo Itamar Franco, antes que este completasse oito meses de seus 27 de mandato. Cardoso foi capaz de juntar em torno de si uma extraordinária equipe, com nomes como Edmar Bacha, Pérsio Arida, André Lara Resende, Gustavo Franco, Francisco Pinto e Murilo Portugal, entre outros, sem os quais teria sido impossível derrotar a hiperinflação, que estava em cerca de 1.500% no acumulado de 12 meses até maio e cuja média no período maio-1988 a maio-1993 tinha sido superior a 1.000% ao ano - recorde mundial no período (na verdade, o Brasil foi o recordista mundial em termos de inflação acumulada nos 30 anos de 1963 a 1993).

As linhas básicas do Plano Real foram explicitadas em longa Exposição de Motivos tornada pública no início de dezembro. A URV foi lançada formalmente por medida provisória com data de 28 de fevereiro de 1994 e, após quatro longos meses de transição, se converteu no real, ao ser-lhe conferida propriedade de meio de pagamento, em 1º de julho de 1994. Cardoso havia deixado o Ministério no início de abril, por exigência legal, para disputar a Presidência. Sua equipe foi inteiramente mantida por seu sucessor, Rubens Ricupero, que teve papel importante na pedagogia do Real entre abril e setembro de 1994. Seu sucessor por três meses e três semanas, Ciro Gomes, apoiou totalmente o Real, àquela altura já um extraordinário sucesso de público.

Todos os envolvidos tínhamos presente que a agenda pós-derrota da hiperinflação se confundia com a agenda de desenvolvimento econômico e social do País. Um país que, livre da dependência e das ilusões da droga inflacionária, era agora obrigado a começar a encarar de nova forma seus enormes e inegáveis problemas. Mas o que importa é que não perdemos tempo falando sobre heranças malditas - estávamos olhando para a frente e reconhecendo que, apesar das dificuldades, algo de relevante havia sido feito, e que era sobre aquela base de acertos (criação do Tesouro Nacional, fim da conta movimento, por exemplo) que deveríamos continuar construindo. Algo que este governo tem enorme dificuldade de fazer.

Pois bem, hoje, meados de 2008, o que temos? Quatorze anos de inflação civilizada. Quinze anos do início do programa de privatização. Dezesseis anos de um salto qualitativo e quantitativo no processo de abertura da economia ao exterior. Quinze anos de efetiva autonomia operacional do Banco Central. Quinze anos desde a conclusão do processo definitivo de renegociação da dívida externa do setor público. Quinze anos de expressivos ingressos de investimento direto estrangeiro no Brasil (mais de U$ 220 bilhões no período), expressão de confiança no País e em seu futuro.

Dez anos já se passaram desde a resolução de problemas de liquidez e solvência no sistema bancário, privado e público. Dez anos desde que o governo federal concluiu a renegociação da dívida de 25 Estados e 180 municípios. Nove anos de bem-sucedida operação do regime de metas da inflação. Nove anos de regime de taxas de câmbio flutuante. Oito anos desde o início operacional dos programas de transferências diretas de renda para a população mais pobre, que não começaram com este governo. Oito anos exatos desde a aprovação pelo Congresso da crucial Lei de Responsabilidade Fiscal - tão combatida pela barulhenta oposição da época, hoje no poder.

É por tudo isso, e algo mais, que o Brasil é hoje mais respeitado internacionalmente. O que não era exatamente o caso 15, 20 anos atrás. É por tudo isso e algo mais que há mais confiança, interna e externa, no País. O que não era exatamente o caso 15, 20 anos atrás. Foi por tudo isso que o Brasil alcançou o grau de investimento na avaliação de uma agência de risco.

É respeitar os outros - e os fatos - reconhecer que parte do governo Lula, por ter mudado, contribuiu para este processo ao longo dos últimos cinco anos. É desrespeitar os outros - e os fatos - a tentativa de apropriação exclusiva, porque indébita, dos resultados deste processo.

Mas não há espaço para complacências, grandes erros, tentações populistas, excessos corporativistas. Temos ainda um longo e árduo caminho à frente, que exigirá que alcancemos mais elevados graus de confiança e respeito no sentido que lhe emprestam Bobbio, Aron e a velha senhora mencionada no primeiro parágrafo, minha mãe. A ela e a todas as mães: feliz dia!

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC
E-mail: malan@estadao.com.br

Estadão

POLÍTICA DE PRIVACIDADE

  ©Template Blogger Elegance by Dicas Blogger.

TOPO