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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O imbróglio do Enem

O Estado de S.Paulo

Enquanto o presidente Lula dizia em Maputo que a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2010 foi "extraordinariamente bem-sucedida", no Brasil constatava-se que os problemas ocorridos com a prova este ano eram maiores do que se imaginava. Além das falhas de impressão no cartão de respostas e da inversão da ordem das perguntas num dos cadernos distribuídos aos candidatos, foram registrados erros de grafia, digitação e pontuação que prejudicavam o entendimento das questões pelos candidatos.

Também foram constatados problemas de conteúdo na formulação de enunciados. Na prova de história, por exemplo, uma das perguntas errou o ano da abertura dos portos no Brasil e outra admitia duas respostas. Na prova de ciências da natureza, três questões apresentaram imprecisões conceituais. E, na prova de humanidades, a indagação sobre imóveis rurais no Brasil não tinha resposta.

Além disso, embora o Ministério da Educação tenha gasto cerca de R$ 182 milhões para garantir a segurança do Enem de 2010, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) cometeu falhas elementares na supervisão das matrizes da prova. O edital de contratação da gráfica previa uma fiscalização prévia a ser feita pelo Inep, para detectar eventuais erros de digitação e paginação, mas ela não foi realizada, como reconhece o próprio ministro Fernando Haddad. "Houve inobservância da portaria", disse ele. E, apesar das providências tomadas pelo MEC para evitar que a prova vazasse, como ocorreu em 2009, a Polícia Federal recebeu denúncias de que o tema da redação era de conhecimento de alguns candidatos um dia antes do início do exame, em Juazeiro (BA) e em Petrolina (PE).

As confusões com o Enem geram dificuldades em cadeia para estudantes e universidades. As autoridades educacionais se comprometeram a aplicar uma nova prova para os alunos prejudicados, mas as datas possíveis coincidem com as dos vestibulares de muitas instituições de ensino superior. Para tentar evitar a coincidência com o exame da Fuvest, o mais concorrido processo seletivo do País, o MEC anunciou que a prova poderá ser realizada nos dias 4 e 5 de dezembro. Os especialistas, contudo, acham o prazo curto demais.

Para não prejudicar o cronograma de suas atividades acadêmicas, algumas universidades públicas já estão pensando em não usar os resultados do Enem nos vestibulares deste ano. É o caso da Universidade Federal Fluminense, que seleciona 20% de seus alunos com base nesse exame e realizará a primeira fase de seu processo seletivo no próximo domingo. "Estamos apreensivos. A situação mais dramática é se houver a suspensão do Enem", diz o pró-reitor acadêmico Sidney Mello. Em entrevista ao Estado, o professor Romualdo Portela, da Faculdade de Educação da USP, afirma não ser mais possível "salvar" o Enem deste ano, seja por fatores logísticos, seja porque as confusões com a prova devem acarretar uma enxurrada de ações na Justiça.

Por liminar concedida pela juíza Karla Maia, da 7.ª Vara Federal do Ceará, o Enem está suspenso desde segunda-feira. O ministro da Educação afirmou que recorrerá ao Tribunal Regional Federal da 5.ª Região para pedir a cassação da liminar, e se manifestou contrário à anulação do exame, alegando que os problemas constatados na prova não afetaram o resultado como um todo. Mas o fato é que o Enem é um processo seletivo para ingresso nas principais universidades públicas, devendo a prova ser a mesma para todos os vestibulandos - e a Constituição é clara quando consagra o princípio da igualdade perante a lei. Do ponto de vista legal, a aplicação de uma nova prova somente para os prejudicados no Enem de domingo criaria uma situação de desigualdade entre os vestibulandos. O ministro, que é bacharel em direito, esqueceu-se desse princípio elementar do direito. Longe de ter sido "um sucesso total e absoluto", como afirmou Lula em Maputo, o Enem de 2010, além de retratar a inépcia administrativa do governo, pode se converter num enorme imbróglio jurídico.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Cancioneiro científico

18/10/2010

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Estudioso do padrão de evolução dos répteis na América do Sul por mais de 60 anos, o zoólogo Paulo Emílio Vanzolini é um dos autores da Teoria dos Refúgios, que explica o surgimento da diversidade da fauna no continente.

A incalculável contribuição de Vanzolini para a ciência poderá ser apreciada em sua totalidade no livro Evolução ao Nível de Espécie: Répteis da América do Sul, lançado na última sexta-feira (15/10), na sede da FAPESP, com a presença do autor.

Publicada pela Editora Beca, com apoio da FAPESP, a obra traz na íntegra os 153 artigos científicos publicados por Vanzolini entre 1945 e 2004. O volume de 704 páginas, contendo 47 publicações selecionadas, é acompanhado por um CD-ROM com os outros 106 artigos do período.

De acordo com Vanzolini, o livro possibilita uma compreensão geral de sua obra, dedicada ao estudo sistemático dos répteis e à busca por um modelo evolutivo capaz de explicar a sua diversidade.

“Foi uma iniciativa muito interessante, porque muitos desses artigos estavam dispersos em revistas que não estão disponíveis mundialmente. O conteúdo é bastante representativo da minha carreira e é bom ter tudo isso reunido em um lugar só”, disse à Agência FAPESP.

Segundo Celso Lafer, presidente da FAPESP, a publicação do livro é um reconhecimento da contribuição de Vanzolini para o desenvolvimento da ciência no campo da zoologia. “É também uma maneira de sublinhar como a história de sua vida está ligada de maneira tão construtiva à da FAPESP, desde a década de 50 do século passado”, disse Lafer.

Vanzolini teve participação ativa nos movimentos organizados por pesquisadores de instituições paulistas voltados para tornar real a criação do órgão de fomento à pesquisa científica que era previsto na Constituição Estadual Paulista de 1947.

A ação desses cientistas resultou na elaboração do Projeto de Lei que levou à criação da FAPESP, também com a participação de Vanzolini. “Ele contribuiu para a estruturação da Fundação e para a concepção do seu modelo de organização”, afirmou Lafer.

Vanzolini também integrou a primeira composição do Conselho Superior da FAPESP, de 1961 a 1967, e cumpriu mandatos de conselheiro de 1977 a 1979 e de 1986 a 1993, além de coordenar inúmeros projetos com apoio da Fundação.

Formado em Medicina na Universidade de São Paulo (USP), Vanzolini concluiu o doutorado em 1951 na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e decidiu trabalhar com herpetologia, o estudo de répteis e anfíbios.

Diretor do Museu de Zoologia da USP de 1962 a 1993, teve forte atuação na organização da coleção da instituição. Em sua gestão, a coleção passou de pouco mais de mil exemplares catalogados para mais de 300 mil.

Além de zoólogo, Vanzolini se destacou também como compositor de música popular. É um dos maiores nomes do cancioneiro nacional, autor de músicas gravadas por dezenas de cantores, como Ronda, Praça Clóvis e Volta por cima.

Gênese de uma teoria


No fim da década de 1960, em conjunto com o biólogo norte-americano Ernest Williams e com a colaboração do geógrafo brasileiro Aziz Ab’Saber, Vanzolini resgatou conceitos que eram usados para explicar a diferenciação de aves na Europa e apresentou a Teoria dos Refúgios. A mesma proposta foi feita simultaneamente pelo alemão Jurgen Haffer, de forma independente.

Até ali, a hipótese mais aceita para explicar a existência da biodiversidade nas florestas sul-americanas era a influência de longos períodos de estabilidade climática e geológica, que teriam representado ambiente propício para cruzamentos e reprodução, gerando grande número de espécies.

“Mas havia diferenciações que não se explicavam pelas diferenças da ecologia das florestas. A Amazônia, por exemplo, não foi sempre igual. No passado houve períodos de redução da floresta e certas formas de vida, isoladas nesses refúgios remanescentes, não se misturaram mais e geraram novas espécies”, explicou Vanzolini.

A Teoria dos Refúgios estabelece que o continente teria passado, no último 1,6 milhão de anos, por ciclos de variações climáticas intensas. Quando o continente enfrentou a última glaciação – entre 18 mil e 14 mil anos atrás –, o frio teria formado nichos geográficos com florestas tropicais – ou refúgios –, que garantiram a sobrevivência de espécies menos acostumadas ao frio.

“A diversidade e a especiação não surgiram a partir de uma evolução estável, mas graças à formação das ilhas de isolamento e a mudanças frequentes”, disse.

Haffer, de acordo com Vanzolini, foi mesmo o primeiro a chegar a essa ideia, não a partir de dados experimentais, mas de uma perspectiva teórica. “Quem inventou a Teoria dos Refúgios foi ele, a partir de um brilhante trabalho conceitual. Eu apenas confirmei tudo isso, de forma independente, a partir da análise de um grupo de lagartos com base em um amplo trabalho de campo. Chegamos ao mesmo ponto, quase simultaneamente, por caminhos inversos”, disse.

Em 1969, Vanzolini trabalhava no Museu de Zoologia da USP na companhia de Williams – que viera da Universidade Harvard para o Brasil especialmente para desenvolver a pesquisa que fundamentava a Teoria dos Refúgios – quando recebeu um envelope da revista norte-americana Science.

“Eles estavam me pedindo um parecer sobre o artigo do professor Haffer. Ele era meu amigo, mas eu não sabia que estava desenvolvendo essa teoria, pois até ali não havia documentação alguma. Eu e Williams ficamos surpresos e enviamos para Haffer o trabalho sobre a distribuição de répteis. Ele veio em seguida para o Brasil e publicamos simultaneamente, em 1970, os dois artigos”, relembrou.

Vanzolini, no entanto, não considera a Teoria dos Refúgios como o foco central de seus trabalhos e sim como uma de suas consequências.

“Meu foco científico sempre foi o padrão de evolução dos répteis na América do Sul no Terciário Superior e no Quaternário. A Teoria dos Refúgios é um aspecto desse trabalho. Uma consequência de uma visão interdisciplinar da pesquisa. Sou zoólogo de profissão, mas tive que aprender a usar ferramentas estatísticas e interagir com os geógrafos. Eu me diverti muito fazendo isso”, afirmou.

Ab’Saber, segundo Vanzolini, foi o responsável por fornecer a bibliografia necessária na área de geomorfologia. “Nossa sorte foi que existia em São Paulo uma faculdade de geografia de qualidade muito alta”, afirmou.

Apesar da grande influência da Teoria dos Refúgios, há estudos que procuram contestá-la ou até negá-la completamente. Vanzolini, no entanto, afirma que até o momento ninguém apresentou nenhuma explicação científica mais convincente.

“Eu, pessoalmente, não tenho dúvida alguma. As contestações levantadas até agora eram superficiais. Podemos dizer até mesmo que a Teoria dos Refúgios é algo que ficou no passado, como algo consolidado. Trata-se de uma teoria tão lógica que o primeiro que estudou o assunto a fundo chegou a ela”, apontou.

Futuro promissor

Para Vanzolini, no entanto, a partir da base fornecida pela Teoria dos Refúgios, os estudos na área de zoologia deverão avançar com muita rapidez, nos próximos anos, graças às novas ferramentas e metodologias disponíveis.

“Quando comecei minha carreira, a zoologia brasileira era uma tristeza. O mais importante era competir com os estrangeiros em termos de nomenclatura. Hoje já avançamos muito. E o futuro é muito promissor”, afirmou.

Vanzolini citou a tese de doutorado defendida em 2009 por Fernando Mendonça d'Horta, no Instituto de Biociências da USP, orientada pela professora Cristina Yumi Miyaki, como exemplo das possibilidades de avanço da zoologia a partir de novas ferramentas. “Ele trata da Teoria dos Refúgios a partir da perspectiva da genética, que gera resultados incomparavelmente mais robustos que a perspectiva da estatística. Há 20 anos, isso seria impensável. Hoje, temos essa interação com geneticistas. No Museu de Zoologia, temos teses sobre peixes nessa mesma linha”, disse.

domingo, 19 de setembro de 2010

Gordinhas unidas

Ganha força, entre as mulheres com manequins GG, um movimento de resgate da autoestima, com uma série de atuações no mercado da moda, que sempre as excluiu


Do Estadão:
Ciça Vallerio

Desfiles só com modelos gordinhas, confecções de números grandes renovadas, revistas especializadas, blogs e site de moda para quem veste GG, calendário só com fotos de mulheres com curvas avantajadas e até campanha para que lojas coloquem em suas araras peças modernas com números acima do 46. O mundo plus size vem ganhando força no Brasil, num movimento que bem poderia ser batizado de "orgulho fat".
"Depois do negro e do gay, agora é a vez do gordinho", diverte-se a professora de idiomas Sandra Ebener, autora do blog Mundo G Mais. "Após toda a discriminação no mercado da moda e beleza, estamos mostrando que podemos nos sentir bem e bonitas." Sandra - que tem 39 anos, é casada e mãe de dois pré-adolescentes - comemora essa onda, assim como muitas outras mulheres com manequins acima do 46, e que agora podem usufruir de uma moda que antes as renegava.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse público já representa metade da população adulta do País: 48% das mulheres e 50% dos homens estão com peso acima do padrão recomendado para uma vida saudável.
No entanto, todos os envolvidos diretamente na onda "orgulho fat" ressaltam com veemência que ninguém quer fazer apologia da obesidade. "A ideia é fazer com que essas pessoas passem a aceitar mais suas características e, ao mesmo tempo, adotem um estilo de vida saudável", avisa o jornalista Jeff Benício, que, por meio da sua editora Haz, especializada em títulos corporativos, criou com seu sócio o projeto Mulheres Reais: um mix de eventos e publicações para promover a inclusão da mulher GG no universo da moda.
O primeiro passo foi o lançamento, no ano passado, de um guia de moda com looks específicos para quem tem curvas avantajadas. Na sequência, veio um calendário-pôster com quatro modelos plus size vestidas como pin-ups. O de 2011 está em fase inicial de produção.
Ainda como parte do projeto, tem sido realizada uma série de desfiles para a divulgação de grifes especializadas em tamanhos maiores, batizados de Mulheres Reais Fashion Show. O último aconteceu no final de agosto, na Casa Portugal, e reuniu mais de 100 pessoas, entre clientes e empresários. Foi exibida a coleção de verão de quatro marcas que andam renovando a moda extra G: Palank, Miglon, Loony Jeans e Fique Linda Lingerie.
"Sem dúvidas, esse é um nicho de mercado ainda pouco explorado", afirma Jeff. "O projeto nasceu para chamar a atenção para essas consumidoras sempre ignoradas pela mídia e pela indústria da moda, que investe num padrão de magreza que não tem nada a ver com as curvas da brasileira."
Resgate da autoestima. Aos 34 anos, a administradora de empresa Samara Sant’Anaela, de 1,63 metro de altura e 83 quilos, jamais imaginaria que pudesse estampar sua foto no calendário-pôster de 2010. "Foi importante participar desse trabalho para mostrar às pessoas que podemos ser sensuais mesmo fora do padrão", diz ela, que é casada e tem uma filha de 1 ano. Usando meia-arrastão sobre suas coxas e quadris fartos, Samara fez o maior sucesso, principalmente com seu marido, que gosta dela assim e não quer saber de mulher magra.
Um nicho próspero para modelos gordinhas vem sendo aberto no País. Mas nada que se compare aos Estados Unidos. Aqui, elas recebem menos do que as modelos magras e, muitas vezes, não encontram estrutura mínima para se produzirem, como cabeleireiro e maquiador. Para valorizar esse mercado (e os cachês), cinco modelos paulistanas se reuniram e formaram o grupo Top Five. São elas: Andrea Boschim, de 32 anos; Bianca Raya e Celina Lulai, de 28; Mayara Russi, de 22; e Simone de Fiuza, de 25.
"Produzimos fotos e as divulgamos, para abrir os olhos das pessoas e mostrar que somos profissionais", avisa a idealizadora do Top Five, Simone Fiuza. Ela trabalha como modelo há cinco anos, mas diz que o mercado despontou nos dois últimos anos. É uma das poucas modelos plus size que vive exclusivamente dos cachês.
Andrea Boschim, a mais velha das Top Five, está atuando também fora das passarelas. É uma das mentoras e organizadoras do Fashion Week Plus Size, uma espécie de versão rechonchuda do evento oficial de moda, São Paulo Fashion Week. A primeira edição aconteceu em janeiro na Casa das Caldeiras, reunindo 10 marcas especializadas em tamanhos grandes e 300 pessoas. A segunda edição foi realizada no Senac Lapa, em julho. Contou com 14 grifes, e o público duplicou. "O último evento se pagou, não sendo mais necessário tirar dinheiro do próprio bolso", conta Andrea, que aposta todas as fichas nesse segmento, junto com sua sócia Renata Poskus Vaz, autora do blog Mulherão.
Militância. A publicitária Alcione Ribeiro, de 32 anos, autora do blog Poderosas Gordinhas, iniciou a campanha Por Tamanhos Maiores, para estimular os grandes magazines a colocarem em suas araras peças de numeração GG e EG (extra G). A partir de seu blog e via Twitter, ela iniciou uma discussão com suas leitoras sobre a dificuldade de comprar roupas em lojas de departamentos. Agora, quando conseguem encontrar uma peça bacana e de manequim grande, divulgam a foto do produto e a indicação do lugar.
Alcione conquistou quase duas centenas de seguidoras e o apoio de marcas de roupas plus size, como a Lepoque. Mas a feliz surpresa foi ter sido procurada por duas profissionais da rede de lojas Renner, em agosto, que queriam entender a dificuldade dessa legião de consumidoras. "Depois disso, a empresa passou a oferecer roupas em tamanhos realmente grandes na loja do Shopping Morumbi", conta Alcione. A Riachuelo também sinalizou interesse, acrescenta ela.
Há duas revistas femininas mensais direcionadas para leitoras gordinhas. A primeira a surgir foi a Sem Medida, versão online de acesso gratuito, lançada pela Writers Editora em fevereiro de 2009. Um de seus idealizadores foi o jornalista Roberto Paes, que se inspirou na sua esposa. "Pensei em fazer a revista para milhões de mulheres que, como ela, são vítimas de discriminação e preconceito."
Na versão papel, a Editora Digicamp lança neste mês a terceira edição da revista Beleza em Curvas. A ideia surgiu de uma conversa entre a jornalista e editora Marcela Elizabeth e sua então estagiária Mayra Holanda. "Recebemos muitos elogios das leitoras que se sentiam marginalizadas pela grande mídia."
O que acontece lá fora
No exterior, muitos são os sinais de que o movimento plus size não é passageiro. Na semana passada, surgiu um fato inédito no Fashion Week de Nova York do Verão 2011: em um espaço paralelo, houve o primeiro desfile plus size.
Em junho, também em Nova York, foi realizada a segunda edição do Full Figured Fashion Week, evento de moda plus size que contou com desfiles, competição de modelos e painel de discussões sobre essa indústria. O próximo será realizado em outubro, na cidade de Los Angeles.
Revistas internacionais não ficam atrás dessa onda. Em abril, a capa da Elle Paris estampou a top GG Tara Lynn. Antes, em março, a revista publicou a reportagem "Si rondes si chics!" (rondes significa "fortinha"), com personalidades plus size, como a blogueira Stéphanie Zwicky, do Big Beauty, que assinou uma coleção para a marca Le Redoute.
Em setembro de 2009, a revista norte-americana Glamour publicou uma reportagem com sete tops plus size. A foto, com todas nuas, revelava as dobrinhas de seus corpos. Nem os homens escapam desse movimento. O jornal online holandês de moda masculina Fantastic Man reservou um ensaio de moda com um modelo fofinho.

Evolução fashion

Causou um baita frisson a twittada de Robert Duffy, presidente da grife Marc Jacobs, que, no mês passado, considerou a hipótese de desenvolver uma linha de roupas plus size. "Nossa luta está, sim, sendo ouvida aos quatro ventos", manifesta Sandra Ebener em seu blog Mundo G Mais.
Nos Estados Unidos, onde a moda plus size é mais forte, a brasileira Fluvia Lacerda tornou-se uma das modelos mais requisitadas do país. Ela própria esboçou interesse de lançar uma grife de tamanhos grandes.
Empresas desse segmento não só brotam aqui, como as que já existem estão se atualizando para conquistarem uma fatia de consumidoras cada vez mais exigente. Mônica Angel, diretora de estilo da grife Palank, marca com 25 anos de existência e 11 lojas espalhadas por São Paulo, atesta essa mudança. "A evolução é mais da consumidora do que do mercado, porque agora as mulheres querem estar na moda", observa.
A diretora de estilo da Miglon, Kali Zegman, marca de atacado que existe desde 1986, confirma: "No geral, o mercado acreditava que bastava oferecer produtos que coubessem nelas, mas não é mais assim. Atualmente, precisamos estar muito antenadas e sempre oferecer novidades."
A estilista Andreza Calil está atenta a essa onda e inaugurou em abril a primeira loja virtual plus size do País: a Wish Fashion. A proposta é garimpar os melhores produtos das marcas e vendê-los pela internet, além de dar dicas de moda com looks prontos. "Em julho e agosto, o site começou a dar lucro e a tendência é crescer daqui para frente", avalia Andreza.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Presidente partido

Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
No dia da Independência, de broche da Bandeira Nacional na lapela, o presidente da República fez um pronunciamento à Nação no horário eleitoral do PT para desancar a oposição, defender sua candidata a presidente e confundir a opinião pública acerca das quebras de sigilo fiscal na Receita Federal.
Além de deformar os atributos do poder delegado pelas urnas, o presidente eleito para presidir a todos os brasileiros trabalha para um partido (o que é vedado pela Constituição) e se imiscui indevidamente nas investigações em andamento na Receita e na Polícia Federal.
Procurando dar uma feição oficial ao manifesto acusou seus adversários disso e daquilo, mas não contou o caso direito nem entrou em nenhum detalhe sobre o assunto que põe sob suspeita o governo, o PT e a campanha presidencial do partido.
Luiz Inácio da Silva não esclareceu coisa alguma sobre o que está acontecendo, só afirmou que "baixezas" são cometidas contra a candidata a presidente e, de maneira demagógica, estendeu a "ofensa" às mulheres de todo País.
Se a candidata não sabe - ou não pode - se defender, a maioria das mulheres sabe perfeitamente como fazer isso, embora muitas não disponham de instrumentos suficientes e nem todas obtenham êxito.
No caso, a defesa extensiva de sua excelência seria bem recebida não só por mulheres, mas também por homens. Todos os cidadãos que tiveram o sigilo violado na Receita gostariam de ser defendidos por Lula, mas até agora não mereceram atenção das autoridades, preocupadas com a única mulher que ao governo interessa: Dilma Rousseff.
Tirando ela, a necessidade de protegê-la e a ânsia de que o País inteiro "reconheça" que a eleição está decidida antes mesmo de a eleição acontecer, nada mais parece importar.
Ainda há quem se pergunte o que leva a imprensa de um modo geral a dar crédito à denúncia da oposição de que as quebras de sigilo fiscal descobertas até agora, no ABC paulista e no interior de Minas Gerais, teriam como alvo o candidato a presidente pelo PSDB.
Vários fatores: o histórico de conduta, o fato em si (petistas como agentes da violação, tucanos e parentes do candidato como objetos dos atos), o interesse, mas principalmente a atitude dos suspeitos, agora corroborada pela reação direta e pessoal do presidente Luiz Inácio da Silva.
As mentiras e mais recentemente a contundência deixam pouquíssima margem para dúvidas.
Se não sentisse um aroma de perigo no ar, Lula não se incomodaria com o caso. Por muito mais, a crise aérea de 2006/2007, o presidente da República demorou meses até se pronunciar.
Sendo verdade, como diz o ministro da Fazenda - com outras palavras, claro -, que a Receita Federal é uma peneira, natural seria que o governo demonstrasse um mínimo de preocupação com o fato.
Quanto à "coincidência" de na lista constar os nomes da filha de José Serra, do genro, do marido da prima, do ex-caixa de campanha, de um ministro do governo FH e do vice-presidente do partido do candidato da oposição, torna mais grave por força da eleição.
Insuspeito talvez não, mas mais republicano poderia ser considerado o gesto do presidente da República se no lugar de insultos ele dirigisse ao candidato escusas pelos transtornos causados pelo Estado.
Em seguida, anunciasse uma devassa em regra na Receita, mais especificamente na delegacia de Mauá e respectivas ramificações.
Refresco. A candidata Marina Silva provavelmente se considerasse vítima da Receita caso seu sigilo fiscal tivesse sido quebrado.
Portanto, quem teve a privacidade violada pelo Estado não se "faz" de vítima. Por definição "é" uma vítima, independentemente da filiação partidária.
Só para raciocinar: e se o sigilo fiscal violado fosse o de um dos filhos do presidente Lula? E se o caso acontecesse no governo do PSDB?

domingo, 18 de julho de 2010

Falta de qualificação

O Estado de S.Paulo

Causou estranheza, principalmente nos meios sindicais, a redução das verbas federais para custear treinamento profissional, num período em que um dos maiores desafios do Brasil está justamente na falta de mão de obra qualificada. Segundo estudo do Ministério do Planejamento, os gastos do governo federal, de 2003 a 2008, com programas de qualificação financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) foram de R$ 97 milhões por ano, 87% a menos que a média anual de R$ 768 milhões despendidos entre 1999 e 2003, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique. O ano passado foi o de menores gastos (R$ 40,4 milhões), o que irritou o representante da CUT no Conselho Deliberativo do FAT (Codefat), Quintino Marques Severo. Dos 6 milhões de trabalhadores que receberam seguro-desemprego em 2009, apenas 200 mil frequentaram cursos de qualificação, o que, afirmou, "é um dado gritante".

Para este ano, o Ministério do Trabalho tem previsão de gastar R$ 226 milhões nessa área, valor bem abaixo da média do governo anterior. Vê-se que o Planalto é muito mais sensível às reivindicações dos funcionários públicos do que às exigências de formação de mão de obra apta para atender às necessidades de desenvolvimento do País. Assim, quando tem de cortar despesas, o governo prefere podar as verbas do FAT para preparo e reciclagem de trabalhadores.

A questão, porém, é mais grave. O poder público está obrigado, pela Constituição, a proporcionar educação fundamental a todos os brasileiros e, se o País avançou com a universalização do ensino, este deixa ainda muito a desejar quanto à qualidade. Especialistas insistem na necessidade de maiores investimentos públicos no ensino fundamental e médio - sem esquecer do aperfeiçoamento do ensino superior.

Se o Brasil tivesse progredido mais na área da educação básica, isso facilitaria enormemente a qualificação profissional em outras etapas. Empresas que treinam mão de obra se queixam do baixo nível de escolaridade e de conhecimento técnico de trabalhadores inscritos em seus cursos, o que exige um esforço redobrado dos instrutores.

Quanto menos desenvolvida é a região, maiores são as dificuldades. Exemplo expressivo é o que se verifica na Hidrelétrica de Santo Antônio, em construção em Rondônia. Segundo o encarregado da obra, José Pinheiro, declarou ao Estado (11/6), o maior problema ali foi a falta de mão de obra local. A princípio, só 30% dos trabalhadores podiam ser recrutados na região, o resto teve de vir de fora. Hoje, depois de criados cursos de treinamento, essa proporção já se eleva a 90%.

Não é preciso ir tão longe para comprovar o esforço que empresas de diversos setores vêm desenvolvendo para preparar mão de obra. Isso se dá tanto em atividades que exigem qualificação relativamente baixa como em nível mais elevado, tendo aumentado consideravelmente a demanda por tecnólogos, graduados por cursos de dois anos depois de concluído o ensino médio. Como resultado, multiplicam-se os cursos desse tipo oferecidos por escolas técnicas ou mantidos por universidades ou faculdades públicas e privadas ou por entidades empresariais, como o Sistema S.

Isso não quer dizer que os programas financiados pelo FAT sejam inúteis. Houve denúncias de desvio de recursos repassados pelo Fundo e que têm sido objeto de investigação pelo TCU e pelo Ministério Público. Mas não foi por essa razão que o governo cortou as verbas para esses programas, e sim porque simplesmente eles não figuram entre as suas prioridades. Já seria um grande passo se o governo se concentrasse mais no ensino fundamental. Quanto aos cursos técnicos de formação, treinamento e de educação continuada, o Ministério da Educação deve cuidar da fiscalização e do aprimoramento dos mecanismos de avaliação periódica. Cabe, enfim, às empresas e às instituições regulares de ensino, que não recebem subsídios, a importante tarefa de satisfazer a demanda atual do mercado de trabalho e ao mesmo tempo preparar-se para atender às necessidades do País no futuro.

domingo, 4 de julho de 2010

O custo dos aportes ao BNDES

O Estado de S.Paulo

Os R$ 180 bilhões emprestados pelo governo federal ao BNDES no ano passado e neste ano, a juros inferiores aos de mercado, representarão um subsídio de R$ 66,6 bilhões concedido pelo Tesouro Nacional até a liquidação das operações, que ocorrerá entre 2039 e 2050. A estimativa é de técnicos do banco, que defenderam os empréstimos como forma de atenuar a recessão de 2009 sem considerar os riscos de misturar as contas do governo e as do BNDES.

Em 2009, o Tesouro emprestou R$ 100 bilhões ao BNDES com prazo de 30 anos e 5 anos de carência, a um custo que variou entre a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) seca, hoje de 6% ao ano, e a TJLP mais juros de 2,5% ao ano. Segundo o estudo O papel do BNDES na alocação de recursos: avaliação do custo fiscal do empréstimo de R$ 100 bilhões concedido pela União em 2009, dos economistas Thiago Rabelo Pereira e Adriano Nascimento Simões, chefe e gerente, respectivamente, do Departamento de Renda Fixa do banco, o custo fiscal dessa operação será de R$ 36,6 bilhões. O valor corresponde à diferença entre o que o BNDES pagará ao Tesouro e os juros da Selic, hoje de 10,25% ao ano, que o Tesouro paga aos aplicadores nos títulos públicos entregues ao banco e vendidos no mercado.

Neste ano, o Tesouro emprestou mais R$ 80 bilhões ao BNDES, com prazo de 40 anos, carência parcial de juros por 15 anos e custo igual à TJLP seca. Numa estimativa "simplificada do custo", a perda fiscal da operação ficaria em torno de R$ 30 bilhões. "Numa extrapolação linear muito simples, pode-se calcular que o custo do empréstimo de R$ 80 bilhões é de R$ 800 milhões por ano", disse Pereira.

Mas, nos dois empréstimos, os custos fiscais são obtidos por aproximação, pois dependem da taxa Selic. Outros custos também são difíceis de estimar, pois dependem do resultado da aplicação do dinheiro pelo BNDES e do impacto sobre o financiamento dos investimentos e a receita tributária.

Do ponto de vista econômico, discute-se o mérito dessas operações, defendidas pelos técnicos do BNDES como instrumento de apoio à compra de máquinas e à contratação de obras, com efeitos estimulantes na economia e aceleração da Formação Bruta de Capital Fixo.

Trata-se de um subsídio substancial e "alguém está pagando por essa diferença", afirmou o ex-diretor do Banco Central (BC) Carlos Thadeu de Freitas. Além do mais, segundo Freitas, o subsídio "precisa constar do orçamento fiscal". E, por ora, não se sabe em que item da contabilidade pública ele poderá ser lançado.

Especialistas reconhecem, além disso, que as operações provocaram um aumento do endividamento bruto do Tesouro Nacional, que já superou os 60% do PIB - um aumento de cerca de 10 pontos porcentuais em relação ao ano passado. Quanto mais elevada é a relação entre a dívida pública e o PIB, maior a demanda dos aplicadores por juros altos nos papéis emitidos pelo Tesouro.

No plano político, com os empréstimos federais o BNDES pode ampliar sua participação na oferta de crédito. "Os R$ 100 bilhões aportados pelo Tesouro ao BNDES para sustentar o investimento em 2009 correspondem a cerca de 25% de todo o estoque de crédito livre disponibilizado pelo sistema bancário às empresas, segundo dados do BC ao fim de 2009", afirmam os economistas do banco. Eles calculam que os desembolsos do BNDES em 2009 "corresponderam a montante equivalente a cerca de 52% do esforço agregado de investimento efetuado na economia, em máquinas e equipamentos", excluída a construção civil. 


Além da mistura entre as contas do Tesouro e do BNDES, o governo patrocinou, por intermédio das operações, um aumento do controle do Estado sobre as alocações de investimento. Mesmo que o banco só conceda empréstimos de boa qualidade, o fato é que o Estado passou a ter, por intermédio do BNDES, maior ingerência para definir os grupos empresariais e os setores que quer privilegiar.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Ideia de Lula sobre tributação no Brasil é equivocada, dizem analistas

Por Benedito Sverberi


A postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de justificar a alta carga tributária do Brasil, de 36,5% do PIB, com a necessidade de se ter um Estado forte, que ofereça assistência social aos cidadãos e garanta crescimento econômico é, no mínimo, simplista. A opinião unânime dos economistas ouvidos pela VEJA.com é que a conclusão do presidente Lula embute conceitos equivocados e sem nenhum embasamento.

O primeiro erro na avaliação do presidente é relacionar de forma direta o volume arrecadado com os serviços que o governo presta aos cidadãos. Também não há nenhuma relação direta entre o valor dos impostos e a capacidade de desenvolvimento do país.


A Grécia, por exemplo, que tem carga tributária semelhante à brasileira, está em maus bocados. O país, apesar de arrecadar muito, gastou mais do que tinha disponível nos cofres públicos e agora precisa de ajuda externa para honrar seus compromissos.

Para perceber a falta de precisão nas declarações de Lula, basta ver as condições de Lesoto e Argélia, que penalizam seus cidadãos e empresas muito mais que o Brasil e, nem por isso, estão em uma situação de desenvolvimento confortável.

Outro equívoco do presidente Lula é ignorar o perfil da tributação de um país. No Brasil, a arrecadação de impostos, em vez de focar na renda e na propriedade, concentra-se no consumo. Resultado: os pobres pagam bem mais que os ricos.

Estudo recente do IPEA revela que os tributos ficam com 54% da renda de uma família que ganha até dois salários mínimos. A 'mordida' diminui à medida que o rendimento sobe. Famílias com renda maior que 30 salários mínimos têm carga tributária de 29%. "Infelizmente, o presidente Lula parece ser orgulhar de uma carga distorcida e socialmente injusta", afirma o ex-ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega.

O presidente Lula também esqueceu que o Brasil gasta mal o que arrecada. Cerca de 90% da arrecadação volta-se exclusivamente aos gastos obrigatórios, sobretudo com pessoal (25%) e manutenção da máquina pública (31%). Em outras palavras, a margem para expandir os investimentos em educação, saúde e infra-estrutura - que ajudam a construir a base do desenvolvimento de um país - fica comprometida.

Os economistas também afirmam que o presidente Lula errou ao equiparar o Brasil aos Estados Unidos e à Europa na forma e volume de tributação. Isso porque a maneira como um país gasta o que recolhe em impostos muda ao longo de sua história e conforme seu estágio de desenvolvimento.

Sobre esse tema, o pesquisador alemão Adolph Wagner postulou o que ficou conhecido entre os economistas como 'Lei de Wagner' (ou 'Lei dos Gastos Públicos Crescentes'). Em resumo, a idéia é que, à medida que uma economia enriquece e se diversifica, a própria sociedade passa a demandar do Estado novos e melhores serviços sociais, o que, no fim, implica elevação de impostos. Neste sentido, não faz sentido algum comparar o Brasil a seus pares europeus ou da América anglo-saxônica.

Tributar é preciso - Os economistas ouvidos pela VEJA.com, contudo, não descartam a necessidade de tributação em uma economia. A acadêmica Eliana Cardoso, da FGV-SP e do Insper, explica que, sim, o desenvolvimento começa com a tributação, mas é preciso cuidar da outra ponta: o aspecto social.

Com passagem pelo FMI e Banco Mundial, ela conheceu de perto nações do Sudeste Asiático que têm registrado nos últimos anos elevadas taxas de crescimento e cuja carga tributária é inferior a 15%.

"Apesar do crescimento econômico, a realidade desses países é muito triste. Eles vivem em guerra, a pobreza é enorme, as mulheres são excluídas e o Estado é simplesmente incapaz de recolher impostos", explica. "Um governo que não consegue tributar fica impedido de criar a base do desenvolvimento", acrescenta.

O fato é que, enquanto uma nação embutir o título de 'emergente', o desejável é que a carga tributária seja equilibrada. Em outras palavras, não pode ser tão alta a ponto de pesar sobre o desenvolvimento - e muito menos penalizar o consumo (que prejudica os mais pobres). Também não pode ser tão baixa a ponto de amarrar a capacidade de o governo contribuir para o desenvolvimento, construindo estradas, pontes, escolas, desenvolvendo tecnologia, etc.

domingo, 23 de maio de 2010

Um corte de mentirinha

O Estado de S.Paulo

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou um corte de mais R$ 10 bilhões nos gastos federais deste ano, a imprensa noticiou e muita gente acreditou. Antes dele, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, havia falado em redução de despesas para moderar o ritmo de crescimento e conter as pressões inflacionárias. Mas era uma brincadeira de 1.º de abril com mais de um mês de atraso. Não há corte nenhum. Há só um ajuste do gasto programado à nova estimativa de receita. É uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, como explica o Ministério do Planejamento no Relatório de Avaliação do Segundo Bimestre.

Verificada a arrecadação até o fim de abril, os técnicos fizeram uma nova projeção de receita para o ano. O cálculo foi baseado numa estimativa de crescimento econômico de 5,5% e de inflação também de 5,5%. O resultado foi uma redução de R$ 9,39 bilhões na receita primária esperada para 2010, excetuada a contribuição para o Regime Geral da Previdência. Descontada a transferência obrigatória a Estados e municípios, sobram R$ 9,24 bilhões.

O passo seguinte foi o ajuste exigido por lei. Programou-se um corte de R$ 7,61 bilhões nas despesas discricionárias. Uma redução adicional (e meramente contábil) de R$ 2,43 bilhões foi obtida com a reestimativa dos gastos obrigatórios, excetuados os benefícios previdenciários. Está aí a diminuição de R$ 10 bilhões prometida pelo ministro Guido Mantega.

Não era séria a promessa de seriedade. Na semana passada, até os críticos do governo tomaram como boa a declaração dos ministros a respeito da contenção de gastos. Vários economistas julgaram insuficiente o congelamento de R$ 10 bilhões, mas ninguém pôs em dúvida a palavra das autoridades. Parte-se do pressuposto de que o governo não se arrisca a perder a própria confiabilidade.

Mas esse não é todo o problema. Por que o governo elevou sua estimativa de crescimento de 5,2% para 5,5%, apenas, quando a maioria das projeções do setor privado indica uma expansão na faixa entre 6% e 7%?

O ministro Guido Mantega deve ter-se esquecido de contar sua nova história ao secretário da Receita, Otacílio Cartaxo. O secretário anunciou há poucos dias que a arrecadação do mês passado foi de R$ 70,9 bilhões, 16,7% maior que a de um ano antes e a mais alta para um mês de abril. Além disso, ele prognosticou uma sequência de recordes.

A arrecadação de R$ 259,2 bilhões no quadrimestre - também um recorde - resultou, segundo Cartaxo, do aumento dos salários e do consumo, da elevação da lucratividade das empresas e também da inflação mais acelerada.

No cenário considerado pelo pessoal da Receita, disse Cartaxo, a economia crescerá 6% em 2010, impulsionando a arrecadação. Em sua fala otimista, ele chegou a propor um aumento da meta de superávit primário, fixada em 3,3% do PIB. Mas não compete à Receita, ressalvou, analisar a política fiscal.

Com a ressalva ele demonstrou disciplina funcional, mas não desmentiu sua visão otimista do crescimento econômico e da arrecadação. Essa visão coincide com boa parte das projeções de especialistas independentes e é compatível com a linguagem usada há poucos dias pelo ministro da Fazenda.

O governo, disse na semana passada o ministro, agiria para evitar um crescimento superior a 7%. Esse risco, segundo o novo relatório de avaliação bimestral, parece ter sido logo descartado pelas autoridades econômicas.

Ainda há poucos dias, o ministro Guido Mantega disse haver recebido do presidente Lula o aval necessário a uma contenção de gastos. A informação parecia fazer sentido: a economia ainda cresceria de forma satisfatória e o governo poderia mostrar ao público uma novidade - um ajuste fiscal para conter a inflação.

Mas essa história parece agora estranha. O ministro não precisaria de aprovação para um mero acerto periódico exigido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Outra versão é muito mais crível: a cúpula do governo decidiu continuar gastando - porque a receita continuará crescendo - e nada fazer para limitar a expansão da economia num ano de eleição. O Banco Central continuará sozinho no combate à inflação.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

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domingo, 18 de abril de 2010

O Brasil e a nuclearização do Irã

CELSO LAFER - O Estado de S.Paulo


O campo das relações internacionais opera à sombra da situação-limite da guerra. Esta é, como disse Aron inspirado por Clausewitz, um camaleão: assume sempre novas formas. A capacidade destrutiva das armas nucleares produziu uma mutação qualitativa do camaleão da guerra, ao tornar viável o completo extermínio de grandes coletividades. É por esse motivo que o desarmamento nuclear e a não-proliferação nuclear de cunho militar são um grande e não resolvido tema global da agenda de segurança da vida internacional. É neste horizonte que se situam o tema da nuclearização crescente do Irã, as medidas que estão sendo negociadas no âmbito do Conselho de Segurança da ONU e as discussões sobre o papel da diplomacia brasileira neste assunto.


Na análise das relações internacionais, é usual a distinção entre idealistas e realistas. As correntes idealistas, empenhadas na paz, surgiram em razão dos horrores da guerra propiciados pela destrutividade técnica das armas. Adquiriram ressonância em razão do advento da bomba atômica. Levam em conta a indivisibilidade da paz num mundo unificado pela economia, pelas comunicações e pela técnica e partem de uma kantiana ideia reguladora da razão: no século 21 a guerra nos aponta o que é preciso temer e a paz nos indica o que temos o direito de almejar.

Maquiavel é uma das matrizes inspiradoras das correntes realistas. Estas têm o seu foco nos fatos do poder e na sua desigual distribuição entre os Estados. Realçam a preponderância do papel do conflito e da lógica da polarização num sistema internacional que retém componentes de um anárquico estado de natureza. Por isso, os realistas são críticos das ilusões idealistas e chamam a atenção para o papel estratégico da "razão de Estado" que contempla o uso da força.

Raymond Aron, em Paz e Guerra entre as Nações, examinou o papel dessas duas correntes na ação diplomática concreta. Observou que essa ação lida com a indeterminação que é fruto dos elementos singulares de cada conjuntura e da pluralidade dos objetivos das políticas externas dos Estados. Apontou que os responsáveis por uma conduta estratégico-diplomática, na sua atuação, se veem simultaneamente confrontados, na sua práxis, tanto pelo problema maquiavélico quanto pelo kantiano. O primeiro diz respeito ao realismo dos meios necessários para assegurar a independência e a sobrevivência de um Estado. O segundo está voltado para o empenho em assegurar a paz.

A Constituição brasileira, no seu artigo 4.º, ao tratar dos princípios que regem as relações internacionais do Brasil, consagra a concomitância do realismo e do idealismo. Com efeito, o inciso I afirma o realismo do valor da independência nacional e os incisos VI e VII, os valores da defesa da paz e da solução pacífica dos conflitos, cabendo acrescentar que o art. 20 (XXIII) determina que toda atividade nuclear brasileira terá, exclusivamente, fins pacíficos, excluindo, assim, as armas nucleares do escopo da conduta estratégico-diplomática brasileira.

O Brasil redemocratizado da Nova República seguiu com sucesso a vis directiva da Constituição de 1988. Terminou com o desnecessário potencial desagregador de uma corrida armamentista nuclear com a Argentina e institucionalizou a confiança mútua de controles recíprocos (Abacc). Celebrou, com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), os mecanismos de verificação comprovadores dos fins pacíficos dos projetos brasileiros na área nuclear. Contribuiu para pôr em vigor o Tratado de Tlatelolco, que proscreve as armas nucleares na América Latina. Aderiu ao Tratado de Não-Proliferação (TNP). Nenhuma dessas ações, em defesa da paz, pôs em risco a independência nacional. Esta o Brasil vem aprofundando com o investimento no soft power da credibilidade, proveniente da estabilidade econômica, da responsabilidade fiscal, das redes de proteção social, do empenho democrático, da afirmação dos direitos humanos, dos mecanismos de cooperação com os nossos muitos vizinhos e de uma consistente ação multilateral econômica na política. Isso tudo vem conferindo adensada proeminência ao nosso país no cenário internacional. Nesse contexto pergunta-se: O empenho diplomático brasileiro de abrir espaço para o Irã, cujo processo de nuclearização suscita generalizadas inquietações, faz sentido?

Realço, em primeiro lugar, que não cabe evocar como justificativas da atual posição brasileira o que se passou no Iraque em 2003. Não cabe a analogia, pois não há semelhança relevante. O Iraque de Saddam Hussein não tinha armas nucleares graças aos controles da AIEA e à eficácia das prévias sanções autorizadas pelo Conselho de Segurança; não estava desestabilizando a região e o mundo; e a intervenção militar liderada pelos EUA foi feita unilateralmente, com uma justificativa falsa, criando novas tensões que ainda não encontraram adequado encaminhamento.

No momento atual o Irã está levando a uma difusa e significativa tensão internacional. Há uma percepção generalizada - e a percepção da realidade é um componente da realidade - de que o seu programa nuclear tem ameaçadores componentes militares e que pode, assim, induzir à nuclearização militar de outros países da vizinhança; desestabilizar o precário equilíbrio geopolítico do Oriente Médio; encorajar o terrorismo internacional; subverter os regimes políticos de países vizinhos; desencadear uma nova e complexa dinâmica entre xiitas e sunitas; e tornar mais difícil a paz entre palestinos e israelenses.

Daí a óbvia pergunta: seja do ponto de vista realista, seja do ponto de vista idealista, qual é a vantagem do Brasil em alinhar-se ao Irã e legitimar as ambiguidades da sua conduta? No meu entender, nenhuma, pois essa postura está descapitalizando a credibilidade brasileira na precária busca de um ilusório prestígio, fruto de um inconsequente protagonismo internacional.

PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO GOVERNO FHC

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A soldada Erika e os pelegos da paulada da Apeoesp

O número do B.O. é 1591/2010.

Quando alguém quiser analisar o momento em que a candidatura presidencial de Dilma Rousseff ruiu, terá de mencionar o BO 1591/2010, do 34º Distrito Policial, no Morumbi.

O que há no B.O. 1591/2010?

Na semana passada, os professores da Apeoesp fizeram uma baderna na porta do Palácio dos Bandeirantes. O plano dos baderneiros era simples: sabotar José Serra e, com isso, ajudar Dilma Rousseff. A Apeoesp é um sindicato controlado pela CUT e pelo PT. Um dia antes que seus pelegos atacassem José Serra, Dilma Rousseff participou de um ato de campanha com a presidente da Apeoesp. Dilma Rousseff homenageou-a publicamente. A presidente da Apeoesp respondeu entoando:

- Dil-ma! Dil-ma!

Os pelegos da Apeoesp pretendiam ocupar o Palácio dos Bandeirantes. Quando a PM tentou impedi-los, eles reagiram arremessando paus e pedras contra os policiais. Segundo o relato da soldada Erika Cristina Moraes de Souza Canavezi, um desses paus atingiu-a. Ela desmaiou. Conduzida ao Hospital Albert Einstein, foi medicada por ferimentos no rosto, na boca e no ombro. A denúncia contra seus agressores está no B.O. 1591/2010.

A soldada Erika Canavezi tem dois filhos. Cuida deles sozinha. Seu soldo: 2 000 reais. Em catorze anos de trabalho na PM, ela nunca havia sido agredida. Isso só ocorreu agora, porque os pelegos da Apeoesp decidiram sabotar as medidas propostas por José Serra para punir os professores gazeteiros e para premiar com aumentos salariais aqueles que ensinam melhor. Os correligionários de Dilma Rousseff defendem com paus e pedras o direito a um ensino público de má qualidade.

Além de contar com seus milicianos nos sindicatos, Dilma Rousseff pode contar também com seus milicianos nos blogs. Depois de ser brutalizada pelo pelego da Apeoesp, a soldada Erika Canavezi foi fotografada sendo socorrida por um rapaz de barba. Os blogueiros de Dilma Rousseff trataram de espalhar que o rapaz de barba era um professor. O mais pobrezinho desses blogueiros, um repórter de Carta Capital, comentou a fotografia da seguinte maneira: “Este professor que carrega o PM ferido é um mural multifacetado de significados, uma elegia à solidariedade humana e uma peça de campanha para Dilma Rousseff”. O menos pobrezinho desses blogueiros, Luiz Carlos Azenha, repercutiu o assunto. Luiz Carlos Azenha comanda um programa na TV Brasil. Soldo do programa: 2 594 734 reais.

No dia seguinte, a PM informou que o rapaz de barba que socorreu a soldada Erika Canavezi era um policial à paisana. Os professores da Apeoesp estavam do lado de lá da barricada, compondo uma elegia à solidariedade humana com o arremesso de paus e pedras e entoando:

- Dil-ma! Dil-ma!


Diogo Mainardi
Veja

sábado, 6 de março de 2010

A ilusão do PAC

O governo incluiu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) os contratos de financiamento habitacional, não apenas da Caixa Econômica Federal, mas dos bancos privados. Deste modo, nele inclui operações bancárias usuais, no que parece ser mais uma tentativa de disfarçar as deficiências e atrasos do programa. O PAC foi lançado em janeiro de 2007 para investir R$ 503,9 bilhões (esse valor aumentou, em 2009, para R$ 638 bilhões) até este ano, sobretudo em obras de infraestrutura (portos, rodovias, aeroportos, redes de esgoto, geração de energia, hidrovias, ferrovias).

Naquela ocasião, o governo admitiu que incluiria financiamentos bancários no programa, mas mencionou montantes inferiores aos atuais. Além disso, não se deve tratar operações privadas como parte de programa de governo, sobretudo recursos das cadernetas de poupança, que são da população. Não proveem de fontes governamentais.

Dos recursos investidos em ações do PAC consideradas pelo governo como concluídas até fevereiro - um total de R$ 256,9 bilhões -, chegam a R$ 137,5 bilhões os referentes a financiamentos habitacionais, valor superior ao despendido em obras de logística e energia. A construção de casas populares representou um desembolso ínfimo. "Esses números distorcem o resultado do PAC", declarou ao Globo, de quinta-feira, o economista Gil Castelo Branco, coordenador do site Contas Abertas, especializado no acompanhamento das finanças públicas. "A grande ação do programa está sendo o financiamento habitacional, na proporção de 50%, aproximadamente, para (imóveis) novos e usados." Mas, indagou o economista, até que ponto se pode dizer que o financiamento de imóveis usados acelera o crescimento econômico?

Segundo o Estado de quarta-feira, as obras de melhoria de infraestrutura em aeroportos e portos no País previstas no PAC estão com atrasos de até 41 meses. Problemas constatados no início do plano ainda não foram resolvidos, apesar da importância da conclusão das obras de infraestrutura, que permitem reduzir os custos de logística das empresas e aumentar a competitividade da economia. Entre os atrasos mais críticos devem ser citados os das obras nos aeroportos de Vitória, do Galeão e de Brasília, do Porto de Santos e da implantação do Programa Nacional de Dragagem, destinado a permitir a entrada de navios de grande calado nos portos brasileiros.

Outra reportagem mostrou que três em cada quatro ações destacadas no primeiro balanço do PAC não foram concluídas no prazo previsto. Muitas obras que receberam o carimbo verde - ou seja, dadas como adequadas ao cronograma -, passaram por revisão de metas e tiveram o prazo de conclusão dilatado. É o caso da Usina Hidrelétrica Salto Pilão, de Santa Catarina; da Petroquímica Paulínia, de São Paulo; e do Campo de Frade, na Bacia de Campos.

O governo tem tentado refutar, como era de esperar, as críticas ao PAC, mas mesmo a informação de que ocorreu um aumento dos investimentos públicos, no primeiro bimestre, não impressiona, porque os números são pouco expressivos. Reportagem do jornal Valor, de terça-feira, indicou que as despesas com obras do PAC, em janeiro e fevereiro, superaram em 122% as do mesmo período do ano passado e atingiram R$ 2,267 bilhões, dos quais 97,2% em investimentos, segundo o site Contas Abertas. O montante é inferior a 0,4% do total dos recursos previstos pelo PAC. Os Ministérios que mais investiram foram os de Transportes, Defesa, Cidades, Educação e Integração Nacional. O item urbanização, regularização fundiária e integração de assentamentos precários recebeu R$ 379 milhões.

Um economista com experiência na área pública, Nelson Marconi, professor da FGV-SP, nota que o programa "deslanchou um pouco", mas sua continuidade depende "do que o governo fará com as contas públicas" - ou seja, do compromisso com o aumento do superávit primário.

O mínimo que se exige do governo é o fornecimento de informações completas e corretas sobre o andamento do PAC, pois os investimentos em infraestrutura são cruciais para o futuro do País e para o governo do sucessor do presidente Lula. Por isso, não podem e não devem ser confundidas com propaganda.

ESTADÃO

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O maior tema internacional da atualidade

O Irã é hoje, sem dúvida, a maior ameaça à paz e à segurança do mundo.

Seu programa nuclear avança velozmente, sendo composto por milhares de centrifugadoras enriquecendo urânio a um nível de concentração que já atingiu os 4% necessários para gerar eletricidade. Seu presidente já afirmou que foi também atingido o nível de 20%. Dizem os cientistas que é mais difícil chegar a 20% do que aos 90% necessários para confeccionar uma bomba atômica. Não se sabe se é verdade ou bazófia, mas há indicações de que assim é. Em outras palavras, o Irã está próximo do limite da capacidade nuclear.

A forte movimentação diplomática das grandes potências (Estados Unidos, França, Alemanha, Rússia, Grã-Bretanha), especialmente na Organização das Nações Unidas (ONU) e na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), com sede em Viena, para evitar ou postergar a posse da arma nuclear pelo Irã indica que existe grande urgência e preocupação.

As negociações para evitar esse desfecho gravíssimo avançam lentamente, porém, seja porque o Irã negaceia, seja porque a pressão não é suficientemente contundente. As sanções econômicas que são ventiladas hoje, geralmente, não funcionam. É também sempre difícil trazer a China, potência com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, a concordar com sanções. Medidas que realmente atinjam interesses iranianos fundamentais - tais como o bloqueio de seus depósitos financeiros internacionais ou de compra de tecnologias sensíveis - são particularmente difíceis de reunir apoio suficiente para serem implementadas. De todo modo, o efeito de eventuais sanções é difícil de prever, já que, por vezes, não surtem o efeito desejado e acabam reforçando o sentimento nacionalista e a coesão em torno do governo de que são objeto.

Nas ruas de Teerã e de outras grandes cidades iranianas há uma contestação crescente ao regime, que se parece cada vez mais com o dos Estados autoritários tradicionais, ou seja, ditaduras nas quais o aparelho de segurança controla o Estado e a maior parte da vida pública. Na América Latina já vimos esse filme muitas vezes. A repressão está sendo cada mais severa à medida que a contestação popular aumenta. A oposição popular não se curva, malgrado a repressão sangrenta, mas tampouco abala decisivamente o governo dos aiatolás. O resultado é um impasse que não repercute sobre o progresso iraniano rumo ao armamento atômico.

O cronômetro está avançando nos três tabuleiros acima referidos e, se o caminho do armamento nuclear for o mais rápido, é possível que a Europa, os Estados Unidos e Israel sejam forçados a um dilema terrível, uma verdadeira escolha de Sofia: aceitar um Irã nuclear ou atacá-lo para evitar que ocorra esse desfecho. Não é possível que esse seja o desejo dos governantes de Washington, Jerusalém, Paris ou Londres. Qualquer das duas alternativas seria nefasta. Um ataque, além de militarmente difícil e incerto, semearia o caos total no Oriente Médio, onde já não faltam tensões e impasses. A arma nuclear daria ao Irã uma espada de Dâmocles sobre a cabeça de Israel, que seria compreensivelmente intolerável para um povo que já sofreu o que sofreu.

À medida que esse quadro se torna mais grave, a posição brasileira de aproximação com o regime de Mahmoud Ahmadinejad torna-se cada vez mais incompreensível e perigosa para os interesses nacionais. Não se trata de "não curvar-se aos desígnios das grandes potências", como argumentam os porta-vozes do governo. Trata-se, isso sim, de dar sustentação internacional a um país que hoje só a recebe da Venezuela e de mais alguns poucos Estados irrelevantes no cenário mundial. Consiste em cometer um gesto gratuito, cujo preço é incomparavelmente maior do que qualquer possível retorno comercial ou político. Apoiar um regime que reprime brutalmente nas ruas uma oposição desarmada contraria os princípios básicos dos direitos humanos, dos quais o Brasil é fiel defensor.

Como se não bastassem essas fortes razões, essa política provoca um risco de contágio ao programa nuclear brasileiro, que é respeitado por todos os compromissos que assumimos nos últimos 22 anos de renúncia às armas nucleares e avalizado por todas as inspeções internacionais que aceitamos. Algumas vozes isoladas ainda põem em dúvida o acerto dessas decisões - o que sempre causa espanto, pois não temos inimigos nem vivemos em região onde impere a insegurança militar. Não há dúvida, porém, de que o Brasil tem um programa nuclear exclusivamente pacífico e é considerado internacionalmente um país sério e sem ambiguidades nesse terreno. A nova intimidade com o Irã cria suspeitas - infundadas, por certo, mas difíceis de desmentir, dado o tom de algumas declarações oficiais de apoio a Teerã - que em nada atendem aos nossos interesses e só podem criar dificuldade de toda ordem para nós. Em matéria de tal gravidade, à medida que o quadro diplomático e militar se deteriora, persistir nessa linha e, por exemplo, visitar o inefável Ahmadinejad em Teerã só pode trazer-nos prejuízos materiais e políticos incalculáveis e completamente desnecessários.

Como dizia o grande ministro Antonio Azeredo da Silveira, com seu humor personalíssimo, apoiar o Irã é atravessar para pisar de propósito em casca de banana na outra calçada. Ainda é tempo, para o governo brasileiro, de refletir melhor e, discretamente, para não ser forçado a admitir a extensão do equívoco, deixar de atravessar a rua.

Luiz Felipe Lampreia, embaixador, foi ministro das Relações Exteriores (1995-2001) 

ESTADÃO

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Poder Executivo deve ultrapassar 100 mil novos cargos no governo Lula

Aumento foi de 63.270 de dezembro de 2002 a outubro de 2009; Orçamento autoriza mais 46.151 vagas este ano
Raquel Landim

 Quando chegar ao fim de seu segundo mandato, em dezembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá contratado cerca de 100 mil pessoas apenas para o Poder Executivo. É um exército de auditores, pesquisadores, analistas, advogados, professores, entre outros profissionais, que começaram a trabalhar nos diversos órgãos do governo nos últimos oito anos.


Para ter uma ideia da dimensão desse contingente, corresponde a mais de duas vezes o quadro de 45 mil funcionários da mineradora Vale, segunda maior empresa brasileira. Também é praticamente igual aos 110 mil empregos gerados por todas as montadoras de carros instaladas no Brasil.


Dados do Ministério do Planejamento mostram que, entre dezembro de 2002 e outubro de 2009, aumentou em 63.270 o número de servidores públicos civis, para 549 mil. O valor exclui aqueles que substituíram funcionários aposentados. O Orçamento autoriza a criação de mais 46.151 vagas este ano, mas o governo não costuma utilizar tudo que está previsto. Como 2010 é ano eleitoral, os concursos só ocorrem até junho.


As contratações de Lula praticamente compensaram o enxugamento feito no governo anterior e reverteram uma política de corte de funcionários públicos iniciada em 1990. Com mais folga no Orçamento, graças ao crescimento da economia e à reforma da Previdência de 2003, o Executivo tem hoje o mesmo número de servidores que em 1997.


A administração do Partido dos Trabalhadores (PT) defende "um novo papel estratégico do Estado", que seria "incompatível com uma política de corte de pessoal", conforme um informe do Ministério do Planejamento. "Estamos recuperando a capacidade do Estado de atuar", disse o secretário de gestão do ministério, Marcelo Viana Estevão de Moraes. Segundo ele, o objetivo é recompor o quadro e requalificar os servidores. Ele também explica a expansão pelo compromisso assumido com o Ministério Público de substituir trabalhadores terceirizados por concursados.


A área da educação liderou as contratações até agora, com 29.226 funcionários a mais entre dezembro de 2002 e maio de 2009 (último dado disponível por setor). É natural, porque se trata de uma áreas de maior peso na estrutura de pessoal do governo. Segundo o secretário, a política de elevar o número de vagas nas universidades também contribuiu. Entre as carreiras mais beneficiadas estão Polícia Federal, Receita Federal, Previdência Social e Advocacia-Geral da União.


Para o economista do Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea), Marcelo Caetano, um dos maiores problemas do aumento de servidores é a "rigidez desse gasto". Graças a vantagens como garantia de emprego e aposentadoria integral, cada servidor permanece na folha de pagamentos da União por cerca de 50 anos - a diferença entre a idade média de entrada no serviço público (32 anos) e a expectativa de vida (80 anos).


348% A MAIS DE SALÁRIO
O governo Lula também promoveu um agressivo reajuste dos salários dos servidores, bem acima dos níveis da iniciativa privada. Um auditor fiscal da Receita começa a carreira hoje com salário de R$ 14,7 mil. No fim do governo Fernando Henrique, o salário final da categoria era R$ 7,3 mil. Um analista de gestão pode ganhar hoje R$ 17,3 mil e um fiscal de defesa agropecuária, R$ 14,9 mil. O reajuste mais significativo foi concedido aos pesquisadores do Inmetro: 348%, para R$ 12,3 mil.


Para o governo, os reajustes servem para atrair e reter os melhores talentos na administração pública. O especialista em contas públicas Raul Velloso avalia que a proximidade do PT com os sindicatos influencia. "Esse é um governo em que os sindicatos estão lá dentro."


Um crescimento significativo no número de servidores públicos - teoricamente mais motivados por causa dos expressivos reajustes de salários - deveria significar um atendimento melhor à população. O problema é que não existe uma maneira sistematizada de medir isso.


"Mais importante do que o contingente de servidores seria discutir a sua produtividade", disse o economista da Corretora Convenção, Fernando Montero. Ele explica que é muito complicado, porque não existe um preço para os serviços oferecidos pelo setor público, como saúde, educação ou segurança.


Para Moraes, do Planejamento, a produtividade cresceu, já que hoje o governo atende a uma população maior com o mesmo número de servidores que tinha há 12 anos. Ele também argumenta que parte da redução das famosas filas do INSS pode ser atribuída ao maior número de funcionários.


Mas a percepção da população sobre o setor público é negativa. Em pesquisa do Ibope, a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 72% da população considerou o governo Lula ótimo ou bom e elogiou a condução da economia e os programas sociais. A avaliação dos serviços prestados pelo Estado, no entanto, foi fraca: 59% desaprovam a segurança pública, 57% desaprovam o atendimento da saúde e 55% avaliam que pagam impostos demais em relação aos benefícios que recebem. 

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